• Ilustrada

    Thursday, 25-Apr-2024 18:05:14 -03

    Realities policiais ganham mais espaço na TV e constroem imagem de heróis

    GABRIELA SÁ PESSOA
    DE SÃO PAULO

    02/05/2016 02h27

    Produzir realities policiais é um bom negócio. O gênero chegou à televisão brasileira em 2010 e parece não ter pressa para deixar a programação de canais abertos e pagos –hoje, sete atrações do gênero vão ao ar no país.

    O mercado recebeu mais um sinal de aquecimento em janeiro, com a chegada da produtora AfroReggae Audiovisual, vinculada à ONG carioca liderada por José Junior.

    A empresa, presidida por Sérgio Sá Leitão e dirigida pelo jornalista Luís Erlanger, tem como sócios Armínio Fraga –ex-presidente do Banco Central– e o BNDES, que possui 15% de participação.

    Divulgação/Medialand
    O primeiro reality policial do Brasil, Operação Policial mostra todos os bastidores do dia-a-dia nas Polícias de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Sergipe, Brasília, Espírito Santo. São os mais variados tipos de operações: combate às drogas, às quadrilhas de roubos de carro, à prostituição, pirataria, desvio de verbas de remédios, etc.
    Cena de 'Operação Policial' (Nat Geo Play), que retrata policiais especializados no combate a quadrilhas

    A primeira série da nova produtora é o reality show policial "No Rastro do Crime", que estreou no início de março no canal pago +Globosat.

    A atração acompanha o trabalho da tropa de elite da polícia civil do Rio, a CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais), e segue a cartilha de programas norte-americanos como "Cops", exibido há 27 anos: um produtor e um cinegrafista registram ações da polícia do ponto de vista da corporação, captando imagens de operações, flagrantes e perseguições.

    O "Cops" foi a inspiração de Carla Albuquerque, pioneira do gênero. Quando fundou a produtora paulista Medialand –que já fez 14 realities policiais em 12 Estados do país desde 2010–, escolheu o "Operação de Risco" (RedeTV!) para começar.

    SENSAÇÃO DE SEGURANÇA

    "A segurança faz parte do dia a dia das pessoas, por isso tem um alto nível de interesse. O público entende que [o programa] não é sensacionalismo nem enobrece o criminoso, mas mostra que o crime é combatido", defende Carla. "Não estamos ali para julgar se o trabalho da polícia é bom ou ruim, mas para mostrar o que ela faz, além de estimular a sensação de segurança."

    Sérgio Sá Leitão, da Afroreggae Audiovisual, diz notar um interesse crescente de canais e distribuidoras pelo tema, estimulados pela narrativa de ação. O gênero é o preferido no país segundo uma pesquisa encomendada pela RioFilme em 2015.

    "A ficção brasileira não está sabendo saciar o interesse do público por esse tipo de produto. Já o 'doc reality' é uma overdose de realidade."

    Divulgação/Medialand
    Série produzida pela Medialand para o canal AXN.Sinopse: Confira em tempo real as ações da polícia militar do Brasil.
    'P.O.L.I.C.I.A', série exibida no canal AXN e que acompanha em tempo real as ações da PM brasileira

    E de economia: o custo de cada episódio vai de R$ 80 mil a R$ 100 mil, dez vezes menos do que o de uma ficção.

    Procuradas por meio de suas assessorias de imprensa, a RedeTV!, que agora produz o "Operação de Risco", e a Band, que compra o "Polícia 24H" da produtora Eyeworks Cuatro Cabezas não quiseram falar com a Folha.

    PROCESSOS

    O "Polícia 24H" é a maior audiência entre os realities policiais: chega semanalmente a 1,37 milhão de espectadores em todo o país, segundo o Ibope. É também o que mais soma processos de vítimas retratadas, muito em razão do tom de zombaria adotado pelo programa –na edição, as histórias ganham humor graças a efeitos sonoros, semelhantes aos que eram usados no "CQC".

    Nesses casos, a Justiça costuma ser favorável às emissoras: a liberdade de expressão se sobrepõe ao direito de imagem. Os personagens costumam aparecer com borrão sobre o rosto e a voz alterada.

    Nem sempre funciona: um homem que apareceu no "Polícia 24H" em 20 de novembro de 2011 afirmou que a "exposição indevida" o tornou "alvo de gozações e zombaria, provocando sofrimento moral", segundo um processo.

    O deboche incomodou também a PM de São Paulo, que suspendeu as gravações no início do ano para reavaliar seu "modus operandi" –as filmagens seguiram em outros Estados e voltaram a ser liberadas em SP na última semana.

    No mais, a corporação não tem do que se queixar. Quando Carla Albuquerque foi apresentar sua ideia à polícia, pôde contar com a boa disposição do hoje deputado estadual Coronel Camilo (PSD-SP), então comandante da PM. Foi ele quem assinou o documento que autorizou a cinegrafistas e produtores de TV acompanhar as tropas.

    Camilo achava que faltava construir no Brasil a imagem de policial herói. "Aqui se glamoriza o crime. Você tinha filmes como 'Cidade de Deus', 'Carandiru' e o próprio 'Tropa de Elite', que debocham da polícia", reclama o coronel.

    Protagonizar realities policiais é um bom negócio. Sem desembolsar nada de seu orçamento, a polícia conquistou um espaço positivo na TV. À Folha, Emerson Massera, major responsável pela comunicação da PM, diz que chefes da corporação assistem às filmagens e chegam a vetar imagens consideradas inapropriadas –os produtores negam.

    Não seria também parte da realidade documentar a polícia que protagoniza abusos de poder e, por vezes, chacinas? Em 2014, policiais mataram, em média, oito pessoas por dia no país, segundo o Anuário de Segurança Pública.

    Para produtores, não: é entretenimento. "Temos o Ministério Público, a Justiça e os jornalistas para investigar. Não tivemos a pretensão de fazer jornalismo", resume Carla.

    A POLÍCIA VEM, A POLÍCIA VAI

    Polícia 24H
    (Band e A&E)
    1,4 milhão de espectadores*
    QUANDO qui., às 22h30 (Band), e ter., às 23h15 (A&E)

    Operação de Risco
    (RedeTV!)
    923,7 mil espectadores*
    QUANDO sáb., às 22h15

    P.O.L.I.C.I.A.
    (AXN)
    47,8 mil espectadores*
    QUANDO dom., às 22h55

    No Rastro do Crime
    (+Globosat)
    QUANDO qui., às 21h

    Operação Policial
    (Investigação Discovery
    e Nat Geo Play)
    QUANDO sáb., 18h (Investigação Discovery)

    Mulheres em Ação
    (Lifetime)
    QUANDO sexta, às 4h30

    Show de Polícia
    (PlayTV)
    QUANDO sáb., às 22h

    *Audiência média de programas policiais no Painel Nacional de Televisão do Ibope de março/15 a março/16; nem todas as emissoras informam a audiência

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024