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    Policiais de Nova York vão ao museu para aprender a observar detalhes

    SARAH LYALL
    DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK

    02/05/2016 12h05

    Para ensinar as pessoas a observar detalhes que, de outro modo, poderiam passar despercebidos, a especialista em percepção visual Amy E. Herman gosta de levá-las a museus para olhar obras de arte. Alguns dias atrás ela acompanhou um grupo de policiais de Nova York ao Metropolitan Museum of Art e pediu que descrevessem algumas das coisas que viram.

    Os policiais se esforçaram. "Parece ser uma pintura de alguns elementos com cavalos", disse um policial, descrevendo a obra "A Feira de Cavalos", de Rosa Bonheur. O quadro de meados do século 19 é uma cena quase caótica de cavalos sendo levados ao mercado. O policial procurou respeitar a recomendação de Herman de evitar termos como "obviamente". "Parece estar de dia e os cavalos parecem estar avançando da esquerda para a direita."

    Dois outros policiais examinaram "No Lapin Agile" (1905), de Picasso, que mostra um casal com aspecto cansado sentado em um bar francês, possivelmente após uma noitada longa. "Eles parecem ter tido um desentendimento", observou um dos policiais. O outro disse: "O homem e a mulher parecem estar juntos, mas o homem provavelmente vai passar a noite no sofá".

    Os policiais pediram para não ser identificados por nome porque não estavam autorizados a falar com jornalistas. Disseram que sabem pouco sobre arte —seu trabalho não lhes oferece muita oportunidade para ir a museus—-, e Herman disse que prefere assim.

    "Já tive gente que falou 'odeio arte', e eu disse: 'Isso não vem ao caso'. Não se trata de uma aula de Pollock versus Picasso. Não estou dando uma aula de arte —estou usando arte como um novo conjunto de dados, para ajudar vocês a limparem sua mente e utilizar as habilidades que vocês empregam no trabalho. Minha meta é que quando vocês saírem daqui, estejam encarando seu trabalho de outra maneira."

    Spencer Platt/Getty Images/AFP
    Visitantes observam obra no The Met Breuer, expansão do Metropolitan Museum of Art, em Nova York
    Visitantes observam obras no The Met Breuer, expansão do Metropolitan Museum of Art, em Nova York

    Uma pintura tem muitas funções. É um artefato cultural, um objeto estético, um insight sobre um tempo e lugar, um objeto de comércio. Para Amy Herman, também é um repositório valioso de detalhes visuais que pode ajudar a lançar luz sobre, por exemplo, o modo de se abordar a cena de um homicídio.

    "Uma pintura é altamente evocativa, perfeita para uma investigação crítica", ela disse em entrevista. "O que estou vendo aqui? Como acrescento uma narrativa ao que estou vendo?"

    Antes de levar os policiais às galerias, Herman conversou com eles numa sala de aula no subsolo do Met. Ela mostrou um slide do retrato "Mrs. John Winthrop" (1773), de John Singleton Copley. A tela mostra uma mulher sentada diante de uma mesa, segurando frutas nas mãos, e é vista como uma obra-prima dos detalhes finos —a complexidade dos acabamentos rendados do vestido da senhora, os enfeites de seu chapéu. Mas há um detalhe que é tão óbvio —ou que talvez pareça tão irrelevante— que a maioria das pessoas não o menciona quando descreve a pintura.

    "Todo o mundo vê a mulher com as frutas. Mas 80% das pessoas não falam da mesa de mogno." (E também não citam o reflexo da mulher na superfície envernizada).

    Herman, que acaba de lançar o livro "Visual Intelligence: Sharpen Your Perception, Change Your Life" (inteligência visual: aguce sua percepção, mude sua vida, em tradução livre), encontrou sua vocação por meios indiretos. Ela trabalhou inicialmente como advogada, não gostou, encontrou um emprego no setor de desenvolvimento do Museu do Brooklyn e então passou para a Coleção Frick. Depois de fazer mestrado em história da arte no Hunter College, estudando à noite, acabou assumindo a direção do departamento de educação do Frick.

    Ali, inspirada por um programa que levou estudantes de medicina de Yale a estudar obras de arte para melhor observar seus pacientes, Herman ajudou a criar um programa semelhante para o Frick. Mais tarde, ampliou o programa para além da medicina. Desde 2011, ela vem ministrando os cursos em tempo integral, como seu próprio negócio. Seus clientes incluem departamentos policiais federais e locais de todo o país, além de estudantes de medicina e executivos de empresas.

    O delegado Steve Dye, do Departamento de Polícia de Grande Prairie, no Texas, chamou Herman recentemente para conversar com um grupo de policiais da região. Segundo ele, a apresentação feita por Herman foi importantíssima, mostrando aos policiais como melhor observar e documentar suas observações com precisão e imparcialidade.

    "Com algumas das obras de arte que ela nos mostrou, não teríamos notado os detalhes mais sutis", ele disse. "E olhe que nós supostamente somos observadores profissionais."

    Quando precisam desconstruir pinturas que mostram cenas de grupo, pessoas de profissões distintas tendem a reagir de modo diferente.

    "As pessoas da comunidade policial são muito mais diretas, não hesitam", disse Herman. "Os policiais sempre falam mais alto que nós. Médicos e estudantes de medicina são bem mais inibidos. Eles não querem errar e nunca querem deixar transparecer que desconhecem alguma coisa."

    O Departamento de Polícia de Nova York é um dos clientes mais importantes de Herman. Ela adapta suas apresentações para cada plateia e elas fazem parte do currículo regular dos setores de detetives e de treinamento da Academia de Polícia; outras divisões da polícia utilizam seus serviços de modo ocasional. De modo geral, a participação no programa de Herman é voluntária, não obrigatória.

    "Amy mostra aos policiais que é preciso olhar com imparcialidade, sem ideias preconcebidas", comentou a policial Heather Totoro. "Ela apela para o sexto sentido singular dos policiais, ensinando-os a dizer o que estão vendo, não o que pensam."

    Os policiais tendem a enxergar as obras de arte através da lente de sua profissão, pensando "quem fez o quê?", "cadê o criminoso?"

    "Às vezes eles dizem 'temos uma PEP aqui —uma pessoa emocionalmente perturbada", explicou Herman. Certa vez ela mostrou a alguns policiais a tela "A Purificação do Templo", de El Greco, que retrata Jesus expulsando os vendilhões e agiotas do templo, em meio a confusão e anarquia.

    "Um policial falou: 'Se fosse eu, prendia o sujeito de cor-de-rosa' —ou seja, Jesus—, 'porque está claro que é ele quem está provocando a confusão toda'."

    Uma das obras de arte que Herman acha mais interessante como ferramenta de aprendizagem é a belíssima e ambígua pintura "Ama e Criada" (1666-67), de Vermeer, retrato de uma senhora sentada à mesa entregando uma misteriosa folha de papel a uma mulher (ou recebendo a folha dela). "Existem tantas hipóteses diferentes", comentou Herman. "Os analistas propõem mais perguntas que respostas: 'Quem está fazendo a pergunta? Quem está falando? Quem está ouvindo?'. Já os policiais dirão: 'É uma empregada pedindo um dia de folga'."

    Herman também gosta de "House of Fire", de 1981, pintura absurdista de James Rosenquist que tem três partes: uma sacola com frutas e legumes, de ponta-cabeça; um balde sob uma cortina de janela, e um grupo de batons agressivamente posicionados. "Esse quadro realmente conduz a um diálogo frutífero", ela disse.

    "Quantas vezes os policiais não precisam criar ordem a partir do caos? Tantas vezes em nosso trabalho nos deparamos com coisas que não têm uma narrativa coerente."

    Mas os policiais parecem ficar impressionados, tanto por Herman quanto pelo ambiente grandioso do museu.
    Uma policial comentou que aprendeu a "sentar-se com colegas e encarar a verdade de que cada um de nós pode apreender as coisas tão diferente dos outros". Foi a primeira visita dela ao Met —na realidade, a qualquer museu de arte.

    "Eu não sabia o que esperar", comentou a policial. "Parece alguma coisa saída do filme 'Thomas Crowne', não?"

    Tradução CLARA ALLAIN

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