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    Vice

    Como Hollywood faz para as drogas nos filmes parecerem reais

    HANNAH EWENS
    DA VICE

    16/05/2016 08h00

    Reprodução/Video
    Como Hollywood faz para as drogas nos filmes parecerem reais
    Johnny Depp no papel de Raoul Duke no filme 'Medo e Delírio em Las Vegas'

    Johnny Depp fumando um cigarro com piteira e usando um óculos laranja, enquanto conversa sobre os estimulantes e relaxantes que tem no seu carro. Al Pacino recostado no seu trono de couro, encarando uma montanha de cocaína. Christiane F. passando por síndrome de abstinência, encolhendo-se na cama e brigando com o namorado por heroína. Seja um sinal da decadência trágica de um personagem ou o gatilho de uma piada, drogas no cinema —quando feitas direito— tendem a render filmes interessantes, mesmo que você não se interesse por drogas na vida real.

    Claro, drogas ilegais não podem entrar no set, então fica a cargo do aderecista pensar em alguma coisa. Ele trabalha com o designer de produção, atores e diretores para fornecer todos os itens com que os personagens lidam diretamente —comida, livros, dinheiro e até drogas.

    Sean Mannion é um aderecista de Los Angeles que está na indústria há anos, trabalhando em títulos que vão de "Jovens Bruxas" a "Missão Madrinha de Casamento". Mas boa parte de seu trabalho aparece em comédias com drogas como "Ligeiramente Grávidos", "O Virgem de 40 Anos" e "O Pior Trabalho do Mundo", então ele basicamente construiu sua carreira fazendo becks e papelotes falsos. Se alguém sabe como fazer uma droga parecer real, esse alguém é o Mannion.

    "Antigamente, usávamos manjericão, orégano, qualquer erva que parecesse real e fosse fumável. Num baseado essas coisas ficavam pesadas", ele diz. "Uns 20 anos atrás, fiz um filme com Madonna, e ela disse: 'Meu deus, que negócio horrível'. Para fazer punhados de maconha eu usava cola em spray e ervas, depois jogava tudo em cima da mesa. Eu deixava os cabos do orégano para dar autenticidade". Hoje, a coisa é muito mais fácil e menos DIY. A indústria cinematográfica se expandiu muito, e centenas de filmes são lançados todo ano. Se precisa de um monte de maconha, Mannion vai até o ISS (Independent Studio Services), e eles conseguem o (falso) bagulho para ele.

    "Pedi vários carrinhos de mão de maconha para 'Vizinhos'. Às vezes você precisa de um monte de maconha mesmo. Num filme que fiz ano passado, tínhamos um cara só para enrolar becks. Eu precisava de uma Tupperware cheia com uns 400 baseados todo dia."

    Agora, muitas vezes Mannion compra sua "maconha" de uma marca de cigarros de ervas chamada Ecstasy, já que esse é o melhor substituto por várias razões. "É totalmente natural e muito mais agradável de usar. Ele cheira mesmo como maconha para quem tem o nariz destreinado. Claro, quem é fumante mesmo sabe a diferença. Um produtor com quem eu estava trabalhando um tempo atrás chegou para mim e disse 'o que eles estão fumando?', e eu disse 'bom, eles queriam fumar maconha, então estão fumando maconha'. E ele arregalou os olhos e disse 'você está de brincadeira, né?'. E eu respondi 'claro, é só um cigarro herbal'. Outra vez, uma atriz bastante famosa —que não vou dizer o nome— estava envolvida numa cena de balada em que os atores estavam passando um beck. Ela me perguntou se era de verdade. Dei um cigarro de ervas para ela, e depois de algum tempo ela e os amigos, que eram extras no filme, tinham certeza de que estavam chapados de verdade. Foi muito engraçado —fiquei realmente satisfeito com isso."

    Reprodução/Video
    Como Hollywood faz para as drogas nos filmes parecerem reais
    Uma Thurman interpreta Mia Wallace em 'Pulp Fiction: Tempo de Violência' (1994), de Quentin Tarantino

    Então cocaína é provavelmente só um pó branco? "Costumávamos usar os excipientes que vão nos remédios. Mas isso foi ficando cada vez mais difícil de encontrar, e você meio que precisava de uma receita médica." Agora ele usa sorbitol, um açúcar de álcool, geralmente usado em alimentos diet. "É tão bom que você só precisa de um pouco para fazer parecer real, talvez acrescentar um pouco de açúcar refinado, depois é só fazer uma pilha ou embalar num quilo. Ele pode ser inalado e tem um gosto meio doce. É preciso ser um especialista para ver o sorbitol numa mesa e não pensar: 'Uau, cocaína!'"

    Mannion não é um especialista em drogas, mas ri sobre algumas experiências do passado ("E vou repetir, do passado"). Quando se trata de crack e heroína, o que ele faz é procurar imagens no Google e fazer algo o mais parecido possível. Felizmente, poucas cenas de drogas realmente exigem mostrar a droga sendo administrada. "Muitas vezes você só precisa de uma evidência. Você pode ter cachimbos de crack ou seringas espalhadas pelo chão. Você pode ir até um fornecedor médico e conseguir o equipamento necessário para fazer metanfetamina, esse tipo de coisa."

    Paradoxalmente, alguém diria, apesar dos estúdios não terem problema nenhum em mostrar o uso de drogas ilegais nos filmes, que muita coisa mudou em relação aos atores fumando cigarros. "Praticamente todos os estúdios são antitabaco e eliminaram totalmente o seu uso", explicou Mannion. "É raro ver alguém fumando cigarro num filme. Estou fazendo uma cena num bar atualmente, e o roteiro dizia que um segurança tinha que fumar charuto e que a sala tinha que estar cheia de pessoas fumando, mas não vai ser assim. Na sala dos fundos, as pessoas estarão fumando maconha e cheirando cocaína." Isso está de acordo com um movimento de saúde pública voltado para derrubar a glamourização das drogas, e em qualquer caso, diz Mannion, quase nenhum ator fuma por preocupações com a saúde. Se eles aparecem fumando cigarro num filme, provavelmente é um cigarro de ervas.

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    De maneira similar, quando você vê um personagem se embebedando no bar ou que tem um estilo de vida baseado em álcool e estimulantes —Miles, de "Sideways", todo mundo de "O Lobo de Wall Street"— parece que eles estão realmente bebendo. Quando Josh Hartnett e Kirsten Dunst dividem um gole de schnapps de pêssego em "Virgens Suicidas", dá até para sentir o gosto doce enjoativo quando eles colocam a garrafa nos lábios. Alguns atores já se abriram sobre usar bebida para dar realidade à performance. Shia LaBeouf disse que quando interpretou um contrabandista da era da lei seca em "Os Infratores", vivia bebendo para aparecer no set com olhos vermelhos e a cara inchada. Brad Pitt e Edward Norton encheram a cara para a cena em que disparam bolas de golfe nos prédios próximos em "Clube da Luta".

    Mas essas são exceções. "Nunca vi ninguém tomar mais que duas doses num set", diz Mannion. "Alguns atores já me pediram para beber álcool de verdade na cena, mas não faço isso sem permissão explícita do diretor. Eles têm que fazer 20 e poucas tomadas de uma cena, então, a longo prazo, isso só vai prejudicar a atuação deles." Em vez disso, os atores geralmente bebem chá ou água com caramelo em vez de uísque. Se o ator está bebendo de uma garrafa marrom de cerveja, é só água mesmo.

    Seja álcool, cigarro ou drogas pesadas, é muito fácil ter um resultado pouco convincente, e é aí que está a satisfação do aderecista. "Tem sempre olhos atentos que vão perceber se você fizer errado", diz Mannion. "Seu trabalho é manter a integridade e tornar aquele ambiente real, e é muito recompensador quando você realmente consegue fazer isso acontecer."

    Tradução de MARINA SCHNOOR

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