Filmes de horror não são comuns na mostra oficial Um Certo Olhar, a segunda mais importante do Festival de Cannes. Muito menos quando o diretor é um estreante.

Mas "The Transfiguration", do americano Michael O'Shea, quebrou esses tabus para se tornar o longa de terror mais intrigante do evento, encerrado no domingo (22).

A produção independente é um "filme de horror neorrealista", segundo o cineasta. Escrita pelo próprio O'Shea, a trama segue Milo (Eric Ruffin), um garoto negro e órfão que vive com o irmão mais velho (Aaron Moten) num conjunto habitacional de Nova York e acredita ser um vampiro —uma vez por mês, ele precisa saciar a sede de sangue matando um humano.

A solidão de Milo é aliviada pela chegada de uma garota nova (Chloe Levine) ao prédio e pela obsessão por filmes de vampiros, o que rende alguns diálogos sobre o "realismo" de "Crepúsculo" (2008) e "Quando Chega a Escuridão" (1987).

O'Shea não entrega as origens de Milo e sua condição sobrenatural, deixando o espectador divagar se o adolescente é um psicopata, um produto do meio em que vive ou uma criatura das trevas.

O trunfo do longa é o subtexto sobre desigualdade racial. Milo assassina brancos, mas as mortes nunca são exibidas como uma decisão consciente —tanto que ele se apaixona por uma garota branca.

O protagonista é perseguido por colegas de escola e gangues locais. E, quando o cerco aumenta, lida com a polícia de forma inocente, como uma presa atraída pela falsa boa vontade dos agentes.

"The Transfiguration" está longe de querer passar uma mensagem. É, antes de mais nada, um filme de terror misturado com romance teen. E a última cena enfia goela abaixo a tensão entre polícia e comunidade negra nos EUA.