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    FHC e Serra viram personagens de thriller sobre criação do Plano Real

    CHICO FELITTI
    COLUNISTA DA FOLHA

    25/05/2016 02h00 - Atualizado às 13h13 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    "E aí, nego, pronto para trabalhar?", pergunta José Serra a Fernando Henrique Cardoso. "Fazer o quê? Vamos nessa", responde o ex-presidente ao atual chanceler brasileiro. A cena, vista numa noite recente em um salão de festas da Lapa, zona oeste paulistana, poderia injetar adrenalina na corrente sanguínea de qualquer repórter político do Brasil, não fosse um simulacro: se deu nas filmagens de um longa que narra o processo de elaboração do Plano Real.

    Os tucanos eram os personagens incorporados por Arthur Kohl, 67, e Norival Rizzo, 57, respectivamente. "3.000 Dias no Bunker" é a adaptação cinematográfica do livro-reportagem de mesmo nome, em que o jornalista Guilherme Fiuza relata os 3.000 dias de duração da equipe econômica que criou o Plano Real –o grupo existiu de 1993, quando FHC se tornou ministro da Fazenda, até a chegada de Lula ao poder, em 2003.

    O protagonista, tanto da obra escrita quanto filmada, é Gustavo Franco, economista que chegou a Brasília como um acadêmico com passagem por Harvard e terminou sendo um dos presidentes mais fortes que o Banco Central já teve.

    Eis que ele surge no set. Cabelos penteados com gel para trás, óculos redondos e gestos milimetricamente contidos. É o ator Emilio Orciollo Netto, 42, que afirma que a meditação transcendental, da qual é adepto, o ajudou a se aproximar do personagem.

    "Virar ele é um processo. Gosto de me vestir muito antes e respeitar o tempo. Pedi até que bordassem o nome dele aqui", diz Netto, apontando para a lapela do terno preto que o cobre na noite fria.

    O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, ou seu intérprete, Tato Gabus Mendes, opõe-se a tanto método. "Ah, a gente tenta incorporar o personagem. Tem dia que ele vem, tem dia que não vem", diz o ator, 55, enquanto dá de ombros. "Independentemente do fato histórico, é uma aventura. Um filme de 'acting' (atuação)."

    Mas de uma atuação sem arroubos, dizem. "Procurei não imitar trejeitos ou maneirismos. O momento histórico é mais importante que os personagens", diz Norival Rizzo, o FHC das telas –minutos depois, ele imita a voz do estadista, deixando a boca solta e oscilando um registro profundo com picos desafinados.

    Mesmo antes de saber quem o interpretaria, FHC deu sua bênção ao projeto num jantar. Nem pediu para ler o roteiro antes, afirma o produtor Ricardo Fadel Rihan, que trabalhou no grupo Globo antes de abraçar a empreitada.

    Arthur Kohl, mais conhecido por antigos comerciais da Brastemp, teve de transpor dois obstáculos para virar José Serra. O primeiro era se livrar da barba que o acompanha desde a década de 1990, quando contava histórias no infantil "Rá-Tim-Bum". O segundo era acreditar que um filme sobre a criação de um plano econômico poderia render.

    "Paguei a língua nos dois casos, porque é um texto afiadíssimo e até meu pai, que tem 90 anos e tinha dito que eu não tinha nada a ver com ele, ficou surpreso quando apareci caracterizado."

    SERGIO MORO

    A crise política corrente, entretanto, deixou marcas no filme. Dias antes de filmar, membros da equipe descobriram que o juiz que conduziu a investigação do caso Banestado, que seria mencionada no filme, atendia por Sergio Moro –que hoje encabeça os processos da operação Lava Jato. O nome de Moro foi então incluído nos diálogos.

    A dinâmica do texto, a cargo de Mikael Faleiros de Albuquerque, é inspirada em séries políticas como "House of Cards" e "Veep", em que o cotidiano dos homens (e poucas mulheres) do poder pode ser trágico, cômico ou as duas coisas ao mesmo tempo.

    "A gente optou por abrir algumas sequências", diz o diretor Rodrigo Bittencourt, que dirigiu a comédia "Totalmente Inocentes", de 2012. "Em vez de tudo se passar numa sala, levamos algumas cenas para dentro de carros ou para lugares mais amplos."

    "Não tem um centavo de empresas estatais, seja do âmbito municipal, estadual ou federal", orgulha-se Rihan. O longa custou R$ 8 milhões, valor que levou quatro anos para ser captado via leis de incentivo –a produção ainda tentou levantar R$ 2,5 milhões com uma vaquinha virtual, mas o projeto foi frustrado.

    Está previsto para o fim do ano ou primeiro semestre de 2017. "A decisão de quando ele será lançado é técnica. Queremos o maior público possível", admite o produtor.

    São 23h quando dezenas de homens de idade comemoram, num jantar, a posse cenográfica de FHC. São tucanos e seus aliados. Uma técnica de produção que acompanha o desempenho por trás das câmeras confidencia ao repórter: "Tá ótimo! Quem vê nem percebe que tem muitos petistas e 'marineiro' aí".

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