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    crítica

    Trama sobre o desemprego flui sem afetação e sentimentalismos

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    26/05/2016 02h25

    É logo no início que "O Valor de um Homem" mostra o que é: nada há no plano a não ser um homem, Thierry, o desempregado, e o funcionário de uma agência que propõe estágios a desempregados.

    Thierry questiona isso: de que adianta perder meses num estágio se os empregadores, depois, vão procurar alguém com experiência?

    O outro não sabe responder. Dá razão a Thierry etc. O importante é que a ação, e o mal-estar ligado a ela, é levada às últimas consequências: sem cortes inúteis, sem elipses.

    Estamos na Europa em crise. Thierry é um homem modesto e nem ao menos pode fingir que trabalha. Sua premência é grande: dentro de alguns meses, o seguro-desemprego baixará dramaticamente; seu filho, com deficiência motora grave, precisa de cuidados especiais (e caros) para chegar à faculdade...

    Segue-se a rotina de entrevistas de emprego, as instruções para preencher um currículo. Podia ser óbvio. Não é. "O Valor de um Homem" é um filme da evidência.

    O desemprego, tal como visto no longa, não é uma circunstância, mas um sistema de que fazem parte estágios, currículos, entrevistas, agências de emprego, promessas, empréstimos. Até o reemprego integra esse sistema e o tipo de massacre que enseja.

    Divulgação
    O ator Vincent Lindon em cena do longa 'O Valor de um Homem
    O ator Vincent Lindon em cena do longa 'O Valor de um Homem'

    No tempo em que seguimos o drama pessoal de Thierry, o filme nos lança no interior desse sistema, mas nunca busca comover o espectador: é frio, direto, fluente. Direto, nos projeta dentro desse sistema, levando as situações às últimas consequências.

    Mas a demolição do homem não estará completa antes que ele consiga outro emprego. E perceba, então, que a busca pode significar uma descida ao inferno –não mais econômico, porém moral.

    Thierry (personagem pelo qual Vincent Lindon ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes, 2015) perceberá, então, que as baixezas da sobrevivência ou do sadismo fazem parte de algo maior: na visão do diretor Stéphane Brizé, trata-se do neoliberalismo. Não é o homem, nem a natureza: quem faz a lei é o mercado.

    "A lei do mercado" é, alias, o título original do filme: menos atraente no Brasil, talvez, onde soaria como um documentário sobre Bolsa de Valores, mas com toda certeza mais exato. Pois para essa lei nem homens nem a natureza têm valor. Valor têm as ações, os bônus: quem puder que se vire dentro desse sistema.

    O VALOR DE UM HOMEM
    (La Loi du Marché)
    DIREÇÃO: Stéphane Brizé
    ELENCO: Vincent Lindon, Karine de Mirbeck, Matthieu Schaller
    PRODUÇÃO: França, 2015, 14 anos
    QUANDO: estreia nesta quinta (26)

    Edição impressa

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