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    crítica

    Nova peça de Jô Soares é farsa surreal que questiona Freud

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    27/05/2016 02h16

    "Histeria" é uma farsa na vertente inglesa recente, que o público brasileiro conhece mais de autores como Joe Orton ou Alan Ayckbourn -embora Terry Johnson já tenha recebido uma ou outra montagem no país.

    E aqui Johnson vai além, com uma ambição de aprofundamento temático que muitas vezes ultrapassa seus antecessores, na mescla entre o apelo popular do gênero e a demanda intelectual.

    A peça estreou nos anos 1990 no teatro Royal Court, então num de seus momentos gloriosos, ajudando a restabelecer a dramaturgia como referência no teatro ocidental.

    O diretor Jô Soares sabe bem do potencial do texto que tem nas mãos, mas enfrentou obstáculos que ainda se refletem nestas primeiras semanas da temporada.

    Prisicla Prade/Divulgação
    Cassio Scapin e Pedro Paulo Rangel em cena da peca "Histeria", texto de Terry Johnson com direcao e traducao de Jo Soares Prisicla Prade/Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Os atores Cassio Scapin e Pedro Paulo Rangel em cena da peça "Histeria", com direção de Jô Soares

    Com a troca do protagonista a dias da estreia, do ator responsável por grande parte das falas e em torno do qual se dá todo o redemoinho farsesco, "Histeria" é ainda um espetáculo que demora a ganhar ritmo e até mesmo sentido.

    Em cena estão Freud (Pedro Paulo Rangel), Jessica (Erica Montanheiro), que se revelará filha de uma ex-paciente dele, o pintor Salvador Dalí (Cassio Scapin) e um médico (Milton Levy).

    Por um bom tempo, o elenco parece desconhecer por que estão todos ali, o motivo da confusão. A trama demora a ganhar contornos claros.

    É só a partir da metade da sessão que se evidencia melhor o jogo central, que opõe Jessica a Freud, a acusação de que ele precisou se adaptar à realidade ou, melhor, precisou adaptar a realidade.

    Nem Freud conseguiu dominá-la por inteiro, exigindo remendar, abandonar pedaços do que pensava, revisar a realidade uma outra vez.

    Daí a presença de Dalí, afinal justificada, o que faz desabrochar em comicidade não só Scapin, com atuação de gestos e silêncios grandiosos e incompreensíveis, surreais, mas também o Freud de Rangel.

    Como a realidade não se deixar apreender, por brilhante que seja a narrativa usada, no caso, da sexualidade infantil, o surrealismo do artista é o contraponto hilariante.

    Mas o ataque da jovem vingadora de Montanheiro só faz aumentar, acrescentando fatos que Freud desconhecia de sua ex-paciente -a mãe de Jessica, depois de receber alta, acabou se suicidando.

    Dados assim, bem como algumas pausas para explicar melhor o que está acontecendo, do ponto de vista teórico, ameaçam levar "Histeria" perigosamente para o drama.

    Mas Rangel e Scapin -e a própria Montanheiro, que se despe absurdamente, como requer o gênero- a essa altura já encontraram a chave e não deixam a farsa se perder.

    Da nudez ao entra-e-sai de personagens, aos diálogos desencontrados que mal deixam raciocinar, "Histeria" é antes de mais nada, de quaisquer reflexões sobre psicanálise e surrealismo, uma palhaçada.

    HISTERIA
    QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 31/7
    ONDE Tuca, r. Monte Alegre, 1.024, Perdizes, tel. (11) 3670-8455
    QUANTO R$ 50 a R$ 70
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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