"Paulina", filme do argentino Santiago Mitre, estreia no Brasil no próximo dia 16 com um timing involuntário, dias depois do estupro coletivo de uma garota de 16 anos no Rio. Na trama, a personagem-título também é violentada, por adolescentes de um povoado pobre do norte da Argentina.
Mas não espere um clássico filme de mulher vingativa –aquele que usa a violência sexual como mero pretexto para justificar a motivação de uma personagem feminina.
"Ela não busca a vingança, mas também não perdoa os criminosos", diz à Folha o diretor, que descreve o longa como uma "tragédia sobre convicções". "Ela tem uma culpa de classe e quer entender por que aquilo ocorreu com ela antes de buscar justiça. Daí o incômodo nele."
A tal "culpa de classe" norteia o embate do longa, vencedor da mostra Semana da Crítica, em Cannes, em 2015, e que tem o diretor brasileiro Walter Salles na produção.
Dolores Fonzi interpreta a protagonista, advogada idealista que larga a carreira ascendente para dar aulas de política na escola de uma comunidade pobre de Misiones, na fronteira. Imbuída de senso de responsabilidade social, crê que seu trabalho vai mudar a vida do povo local.
Apesar das tentativas de ganhar empatia dos estudantes ("Sou uma empregada de vocês"), a resposta que tem é o desprezo. Certa noite, ao voltar para casa, ela é violentada por um bando liderado por Ciro (Cristian Salguero), que inclui alguns dos alunos.
Descrente da polícia, ela não os denuncia. Prefere tentar entender aquele universo, mesmo após descobrir que o estupro que sofreu trouxe certas consequências físicas.
"Paulina compreende que a Justiça não é justa. O que incomoda o público é a força de suas convicções sociais: ela busca a verdade de forma quase irracional", diz Mitre.
O diretor se esquiva de comentar se concorda ou não com a atitude da personagem. "Não questiono. É parte da liberdade dela, por mais atroz que soe. Como cineasta, gosto de botar a mente do espectador para funcionar."
Mitre afirma que tomou conhecimento do caso de estupro coletivo da adolescente no morro da Barão, no Rio.
"É terrível. Uma das primeiras coisas com as quais me deparei ao escrever o roteiro foi a questão da culpabilização da vítima. É o que explica por que tão poucas denunciam o crime. Vítima não se questiona, se escuta."
AGENDA POLÍTICA
"Paulina" é uma refilmagem de um clássico argentino dos anos 1960: "La Patota", obra em preto e branco do diretor Daniel Tinayre (1910-1994) que conta a história de uma professora de filosofia que, após ser molestada sexualmente pelos alunos de uma escola religiosa, ensina a eles o "poder do perdão".
Santiago Mitre substituiu a platitude religiosa pela "tragédia sobre convicções", como descreve o diretor, escancarada já na abertura do filme: um bate-boca de oito minutos entre a progressista Paulina e o pai, um juiz cioso.
Esta não é a primeira vez que Mitre, 35, esbarra na agenda política. Sua estreia na direção se deu em 2011, com "O Estudante", produção que usa o microcosmo das disputas universitárias como pretexto para debater a política argentina como um todo.
"Encaro meus filmes como uma forma de discutir temas que a sociedade ainda não parou para discutir", afirma.
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À FORÇA Outros filmes que abordam o tema
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Jodie Foster em ""Os Acusados"" (1988) |
Em "Laranja Mecânica" (1971), uma gangue comete um estupro enquanto entoa "Singing in the Rain".
A atriz Jodie Foster ganhou seu primeiro Oscar por viver uma mulher violentada num bar em "Acusados" (1988).
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Cena do filme "Irreversível", de Gaspar Noé |
"Irreversível" (2002) criou polêmica com cena de nove minutos em que Alex (Monica Bellucci) é abusada
No ainda não lançado "Elle", Isabelle Huppert faz uma executiva que quer se vingar do homem que a molestou.