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    análise

    Trama de 'Angry Birds' inverte história do colonialismo

    MARCELO GLEISER
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    12/06/2016 02h27

    "Angry Birds", franquia de entretenimento finlandesa com bilhões de usuários, virou filme (lançado no Brasil em 12/5). O sucesso do videogame é tamanho que são muitas as suas versões, baseadas no mesmo tema: pássaros zangados tentam defender seus ovos de porcos que querem roubá-los.

    O desafio da produção do filme é transformar esse jogo simples em uma trama com uma narrativa que mobilize as pessoas, especialmente o público jovem.

    No jogo, um dos aspectos mais interessantes e essenciais é a física. Afinal, a ação gira em torno do lançamento de projéteis –no caso, os próprios pássaros– que visam destruir as fortalezas dos porcos. Imagino o que Galileu (1564-1642) pensaria se visse suas equações balísticas transformadas em entretenimento.

    Acho que adoraria, e testaria o jogo para ver se as equações foram representadas de acordo. Não fiz um teste quantitativo, mas, qualitativamente, me parece que sim. Sob a ação da gravidade, um bólido descreve uma trajetória parabólica (que é o que vemos no jogo). O alcance depende do ângulo de inclinação do canhão (a atiradeira) e a velocidade inicial. Menos mal.

    No filme, o foco muda. A guerra entre pássaros e porcos ocupa a parte final do enredo. Mas a história, ao menos seu aspecto mais interessante, é um retrato do colonialismo. Em particular, da relação entre os invasores europeus –os porcos, com sua tecnologia avançada– e os nativos inocentes –os pássaros, que vivem numa espécie de paraíso tropical, uma ilha idílica como as que existem no Pacífico Sul.

    Sem entrar em detalhes do enredo, vale dizer que os heróis da história são os que destoam da norma, os rejeitados pela comunidade "perfeita" dos pássaros.

    Nisso, o filme exalta o não-conformismo como expressão de liberdade, o que é sempre salutar numa sociedade que tende a isolar os que não são como os outros. Herói é aquele que sofre de alguma forma e que consegue transformar seu sofrimento numa força para o bem.

    Ao contrário da história mundial, no filme são os nativos que derrotam os invasores com suas tecnologias bélicas. É a reversão do colonialismo, a vingança dos nativos. Nisso, o longa serve de autocrítica para a sociedade descrita em "Germes, Armas e Aço", o livro de Jared Diamond vencedor do prêmio Pulitzer nos EUA, que explora por que os colonizadores venceram.

    Não sei até que ponto as crianças que jogam o jogo ou assistem ao filme percebem essa inversão da história. Mas seria bom aprenderem com ela. Talvez o aspecto mais importante do filme, que, honestamente, não é dos melhores, seja essa mensagem. Aponta a possibilidade de um futuro melhor, onde não é a tecnologia, mas uma ética de respeito às diferenças, que determina quem são os verdadeiros heróis.

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