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    crítica

    Argentino 'Paulina' expande debate da cultura do estupro

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    16/06/2016 02h48

    O filme argentino "Paulina" é baseado numa incômoda e original produção de 1960, na qual a hoje veterana Mirtha Legrand encarnava uma jovem professora da elite portenha que, contra a vontade do pai, resolve dar aulas num subúrbio de Buenos Aires.

    Ali, é estuprada pelos próprios alunos e tem uma reação surpreendente: resolve enfrentar a família, o noivo e a igreja, desculpando os criminosos e mantendo a gravidez que resulta do ato.

    Na época, a produção de tom televisivo tinha por objetivo criticar o conservadorismo dos costumes e o lugar restrito ao qual as mulheres estavam limitadas na sociedade.

    Nas mãos agora do cineasta Santiago Mitre, o filme vira um suspense sociológico em que esses temas seguem presentes, só que de forma atualizada. A produção, porém, está longe de ser um panfleto feminista de foco limitado.

    O diretor de "O Estudante" (2011) joga luz também em outras características. Uma delas é o enigmático universo psicológico que faz com que Paulina (Dolores Fonzi) reaja dessa maneira. Como no filme original, ela também desculpa seus agressores e sai em busca de alguma justificativa cultural para entender a monstruosidade que sofreu.

    A outra proposta do diretor é discutir o que ocorre numa determinada zona fronteiriça na América do Sul. Se o filme original se passava em Buenos Aires, este se traslada ao norte do país, a província de Misiones, que tem limites com o Brasil e o Paraguai.

    Divulgação
    Dolores Fonzi em cena do filme 'Paulina', de Santiago Mitre
    Dolores Fonzi em cena do filme 'Paulina', de Santiago Mitre

    Aí, a produção revela um espaço multicultural, mas aonde o Estado não chega. Trata-se de uma terra-sem-lei, onde as instituições ditas "civilizadas" não têm força para instalar-se, e onde a autoridade ainda se impõe de acordo com uma lógica ancestral, e portanto machista.

    Paulina parece transitar atordoada por não entender as regras dali e a mescla de idiomas que escuta. Enquanto o espanhol "oficial" é falado na superfície do cotidiano, é em guarani que se fazem as piadas, que se verbalizam o assédio e a burla, e com o qual os adolescentes mestiços atacam, de forma velada e raivosa, a branca forasteira.

    Paulina então percebe que o único sentido de pertencimento que têm não é a um país ou território, mas a um grupo e sua lógica: a da "patota" (nome original do filme).

    A partir daí, sob pressão do pai e do namorado, que querem "dar um jeito" na situação, castigando os estupradores, Paulina se questiona como é possível aplicar a justiça "civilizada" num território como aquele. Prefere acreditar que a educação oferece uma saída mais eficiente, embora se convença que isso não é possível a curto prazo.

    Contra toda a suposta "lógica" de uma mulher branca, de elite portenha e com recursos, ela não tenta fugir do problema e não corre para uma clínica de aborto em Buenos Aires, mas, sim, prefere mergulhar no problema.

    O filme pode irritar o feminismo engajado ao oferecer algum tipo de justificativa e de contexto ao crime perpetrado contra Paulina. Por outro lado, oferece um espaço de reflexão sobre esses territórios esquecidos e afastados dos grandes centros do continente, onde o Estado falha e a falta de educação perpetua brutalidades.

    PAULINA
    (La Patota)
    DIREÇÃO: Santiago Mitre
    ELENCO: Dolores Fonzi, Oscar Martínez, Esteban Lamothe
    PRODUÇÃO: Argentina/Brasil/França, 2015, 16 anos
    QUANDO: estreia nesta quinta (16)

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