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    depoimento

    Bussunda tinha um nome a lazer, lembra ex-Casseta Helio de la Peña

    HELIO DE LA PEÑA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    17/06/2016 02h30 - Atualizado às 13h07 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    O ano era 1978. Estava na praia de Ipanema com Beto Silva, Marcelo Madureira e Claudio Manoel, quando fui apresentado ao Bussunda.

    Imagino uma cigana passando ali, prevendo que aquele gordo dentuço, com pinta de quem não visitava um chuveiro há dias, seria um dos meus melhores amigos e padrinho de um dos meus filhos. Chamaria a polícia e mandaria prender a charlatona.

    Eu, Beto e Madureira tínhamos criado o jornalzinho "Casseta Popular", que vendíamos na faculdade de engenharia. Dois anos depois, resolvemos ampliar a proposta editorial pra vender o jornal na praia, nos bares, no Baixo Leblon e no Baixo Gávea. Convidamos o Claudio Manoel e outros amigos. A galera dava força pra gente incorporar o Bussunda na nossa equipe: "Chama o cara, ele é engraçado". Foi um tiro certíssimo. A "Casseta Popular" mais tarde se tornaria revista e daria origem, junto com o jornal "Planeta Diário", ao grupo Casseta & Planeta.

    Bussunda surpreendia o tempo todo. O visual –barba, cabeleira sebosa e desgrenhada, maltrapilho– camuflava uma figura doce e cativante, leitor voraz, que podia ter na mochila surrada um clássico do século 19 ou uma HQ. Desligado, desleixado, era um pai presente e atento. Sacana, irreverente, era o fiel da balança no grupo em discussões acirradas, comuns nas nossas reuniões de pauta.

    No futebol, o contraste chocava ainda mais. A barriga pronunciada, as pernas arqueadas, o andar cambaleante o tornavam um improvável jogador. Mas em campo conseguia mostrar habilidade e visão de jogo. Com a ajuda de uma bombinha de asma na lateral do campo, encarava dois tempos e a prorrogação.

    Viciado em listas, colecionava estatísticas dos jogadores mais desconhecidos num caderninho que consultava constantemente numa discussão. O futebol era uma grande paixão, logo depois do Flamengo. Largava qualquer coisa para se largar na geral do Maraca, para onde ia independente do adversário.

    Quando ganhava um título, era insuportável. Até porque eu era botafoguense, uma das vítimas prediletas do seu ídolo maior, Zico. Mas em 21 de junho de 1989 fui à forra. Fazíamos juntos uma festa de aniversário –sou do dia 18 e ele, do dia 25. Botafogo e Flamengo decidiam o Campeonato Carioca. Para surpresa geral, o Fogão derrotou Zico e cia e quebrou um jejum de 21 anos sem título. Meu presente foi poder zoar o maior rubro-negro que conheci. Prazer inenarrável.

    No início da nossa trajetória, trabalhei como engenheiro numa empresa séria, que tinha a austeridade como lema, a Promon Engenharia. Dependia do emprego para continuar a fazer nossa revista. Certa vez, disse que tinha um nome a zelar. A resposta do Bussunda veio como um chute de trivela no ângulo: "Problema seu, eu tenho um nome a lazer".

    HELIO DE LA PEÑA é humorista e integrava, com Bussunda, o grupo Casseta & Planeta

    *

    RAIO-X - BUSSUNDA
    NOME Claudio Besseman Viana
    NASCIMENTO E MORTE Rio de Janeiro, 25/6/1962 Munique, 17/6/2006
    TRAJETÓRIA Estudou comunicação, em 1981 integrou o tabloide "Casseta Popular". Tornado revista, chamou a atenção da Globo, que contratou os autores –Bussunda, Hélio de La Peña, Marcelo Madureira e Hélio Silva– como roteiristas do "TV Pirata". Lá, se uniram a Reinaldo Batista, Hubert Aranha e Cláudio Paiva, no humorístico semanal "Casseta & Planeta, Urgente" (1997), que consagrou as imitações de Bussunda do ex-presidente Lula e do jogador Ronaldo. Irmão do economista Sergio Besserman, ex-presidente do IBGE, casou-se com Angélica Nascimento e teve uma filha, Júlia. Morreu aos 43 anos, na Copa da Alemanha-2006, um dia após sentir falta de ar durante uma pelada.

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