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    Fotógrafo Martin Parr revela o 'British way of life' em retrospectiva no MIS-SP

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    18/06/2016 02h04

    Martin Parr é casado e não está à procura de um affaire, mas há pouco contratou uma especialista em fotos para aplicativos de paquera –a mais nova moda no Reino Unido– para que fizesse seu retrato.

    "É um preço baixo a se pagar pelo amor", ironiza o fotógrafo britânico. "Se você vai ao supermercado e olha as embalagens, já sabe que a foto do lado de fora é muito mais atraente do que o que está dentro. É a mentira fundamental que funciona como propaganda. E o maior propósito da fotografia é melhorar a aparência das coisas, tanto na moda quanto na publicidade."

    E também nas redes sociais. Não por acaso, Parr abre sua retrospectiva agora no Museu da Imagem e do Som com um mural de selfies que fez pelo mundo –muitos deles, aliás, não são autorretratos, mas imagens feitas por outros para que parecessem como tal.

    Desde que despontou na fotografia há três décadas, Parr, hoje um dos fotógrafos mais influentes do mundo, ancora sua obra nesse jogo de aparências. É como se desconstruísse em cada imagem todos os truques para arquitetar uma cena glamorosa –seu estilo é escancarar a decepção, a desilusão, a pobreza material e de espírito em momentos que, de outro ângulo, talvez fossem sedutores.

    "Nunca altero as cenas, apago detalhes ou pessoas, porque gosto da autenticidade da imagem", diz Parr. "Mas também gosto da ideia de que minhas fotos sejam vistas como uma forma de ficção. Faço ficção com base na realidade."

    No caso, a realidade britânica. Parr, que nasceu em Epsom, vilarejo no sudeste da Inglaterra conhecido, como todo o país, pelo mau tempo, o mau humor de seus habitantes, corridas de cavalos frequentadas pela rainha e certo tédio corrosivo, encarna isso tudo em suas imagens.

    Sua primeira série, realizada ainda em preto e branco nos anos 1980, antes que ele adotasse cores berrantes como marca, mostra seus conterrâneos valentes encarando temporais e tempestades de neve, mas sem o deboche de suas obras mais célebres –nesse primeiro trabalho, Parr buscava certa graça ou leveza em cenas que retratava com um extremo cuidado estético.

    SUNGAS E BIQUÍNIS

    Mas o rigor dos enquadramentos e toda a seriedade dessas imagens foi cedendo lugar ao longo dos anos para composições mais espontâneas, quase acidentais, de cores saturadas e o uso um tanto indecente do flash –é como se Parr copiasse a falta de estilo do turista que não aprendeu a usar os filtros do Instagram.

    Nesse sentido, sua obra é um comentário irônico sobre a ideia de paisagens, viagens, comida e até relacionamentos como objetos de consumo. "Comprar e consumir é uma parte do que somos", diz Parr. "É por isso que o consumismo é um assunto tão importante."

    E parece ser em sungas e biquínis desavergonhados desfilando pelas praias pedregosas da Inglaterra que essa questão se revela em toda a sua –quase– nudez.

    Na mais famosa de suas séries, Parr retrata o comportamento dos britânicos na praia. Num país onde o sol pouco brilha, ali eles surgem despidos, branquelos e sem graça diante de praias que mais parecem zonas industriais. De crianças babando a velhinhos com sandálias e meias aos mais entusiastas do bronze que surgem alaranjados sob um céu de chumbo, essas imagens parecem ancoradas num desencanto permanente, mesmo encharcadas de humor.

    "Ele comenta muito bem o mundo contemporâneo do consumo", diz Iatã Cannabrava, que organiza a mostra. "É o fotógrafo mais irônico e sarcástico do cenário atual."

    Ironia à parte, Parr não gosta de definir a natureza de suas imagens. "Nós, os britânicos, acreditamos na arte de falar menos, com mais sutileza", afirma. "Você nunca sabe se estamos mentindo. São esses gracejos que estão na base do senso de humor britânico."

    Outra série do artista resume bem esse jogo entre verdade e mentira. Parr retrata casais que se encaram em restaurantes sem o menor traço de interesse, como se mergulhados no mais profundo tédio e indiferença. Ele mesmo, que se diz feliz no casamento, já se retratou com a mulher numa imagem desse trabalho, talvez dizendo que a fotografia engana ou que a realidade é mais do que um dia na praia.

    Neste sábado, às 13h, Parr participa de um debate com o curador Iatã Cannabrava no auditório do MIS. A conversa será mediada por Daigo Oliva, jornalista da Folha que assina o blog Entretempos. A entrada é gratuita. Ingressos podem ser retirados na bilheteria a partir das 12h.

    MARTIN PARR
    QUANDO abre neste sábado (18), às 12h; de ter. a sáb., das 12h às 21h; dom., 11h às 20h; até 24/7
    ONDE MIS, av. Europa, 158, tel. (11) 2117-4777
    QUANTO R$ 6

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