Quando um museu expõe a coleção de uma galerista, há sempre uma questão ética: ele está agregando valor e, portanto, aumentando a importância desse acervo?
No caso de "Fora da Ordem "" Obras da Coleção Helga de Alvear", inaugurada no sábado (25) na Pinacoteca do Estado, essa relação perigosa entre instituições públicas e mercado é neutralizada, já que a galerista alemã radicada na Espanha cedeu sua coleção a uma fundação sediada em Cáceres. Inaugurada em 2010, com apoio do governo da região, o Centro de Artes Visuais Helga de Alvear possui uma programação ativa, que no próximo ano deve ganhar uma extensão ao edifício sede.
Os curadores Ivo Mesquita e José Augusto Ribeiro apresentam 137 peças, que ocupam quase todo o primeiro andar da Pinacoteca. A seleção atende a duas ordens: trabalhos mais formais –associados a movimentos como o construtivismo, minimalismo, e a arte conceitual–, e outros mais fantasiosos, marcados pelo humor e por certo caos.
De certa forma, essa escolha coincide com os dois mundos culturais a que Alvear se filia: a sisuda Alemanha, sua terra natal, e a almodovariana Espanha, onde vive desde os anos 1950.
Assim, no primeiro grupo estão o casal Bern e Hilla Becher, pais da fotografia conceitual, com discípulos: Thomas Ruff, Thomas Struth, Frank Thiel e Candida Höfer. Já no segundo, encaixam-se artistas como a portuguesa Helena de Almeida, a norte-americana Cindy Sherman e o francês Pierre Huyghe.
A mostra não segue ordem cronológica, mas as salas se revezam, alterando eixos temáticos. Apesar de a maior parte da seleção ser constituída de trabalhos contemporâneos, pós-anos 50, algumas peças históricas ilustram as matrizes da mostra, como uma aquarela de Kandinsky (1866""1944), "Estudo para 'Ligeiramente Juntos'", de 1933.
É por meio de obras como essa, que de fato se percebe a importância da coleção de Alvear: são escolhas que representam pontos importantes na carreira de um artista.
Outro exemplo é a série de Gordon Matta-Clark (1943"" 1978), na qual se percebe todo o pensamento arquitetônico do artista por meio de formas absolutamente sintéticas. Outro destaque é a instalação do português José Pedro Croft, no octógono, que ocupa o nobre espaço de maneira a traduzir o conceito da exposição.
"Fora da Ordem" ainda conta com seleção de brasileiros, como Jac Leirner, Iran do Espírito Santo e José Damasceno. Este comparece com a instalação "Durante o Caminho Vertical", apresentada na Bienal de Veneza, em 2001.
O que constitui uma coleção não é apenas quantidade, mas essencialmente qualidade. Pelo que se vê na Pinacoteca, Alvear, além de ter excelente seleção, dá ainda importância ao caráter público que um acervo desse porte aspira.