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    CRÍTICA

    Longa sobre cantora sem voz alude à atual 'gourmetização' do banal

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    27/06/2016 02h00

    Quem nunca pensou que é sem nunca ter sido que atire a primeira pedra! Se a natureza nos aparelhou com a salutar capacidade de confundir ser e parecer, o uso excessivo dessa habilidade também pode culminar em estados patológicos. "Marguerite" interpreta como fábula amarga esse poder que, hoje mais do que nunca, usamos sem limites.

    As primeiras imagens do filme escrito e dirigido por Xavier Giannolli mostram como o cinema tira proveito dessa faculdade de cometer equívocos. Vemos convidados chegarem a uma mansão chiquíssima, e a legenda, identificando a época como anos 1920, leva a crer que assistiremos a um luxuoso filme de época.

    Divulgação
    A atriz Catherine Frot (centro) em cena do filme "Marguerite" ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    A atriz Catherine Frot (centro) em cena do filme "Marguerite"

    Todo mundo ali, de algum modo, vive um faz de conta. O mordomo posa de mau, dois penetras fingem ser ilustres convidados e, não muito longe da casa, o marido da anfitriã simula um defeito no carro para não chegar a tempo do sarau exclusivíssimo.

    Quando os olhares e ouvidos convergem para a entrada em cena de Marguerite, descobre-se que a grande cantora vista em retratos espalhados pela casa não tem... voz.

    Só ela não percebe isso, o que dá origem aos quiproquós cômicos e trágicos que sustentam o relato. Mas depois que rimos do ridículo e nos emocionamos com a fragilidade da protagonista, o filme nos devolve a imagem de Marguerite como em um espelho. A aparência comum da atriz Catherine Frot, intensificada por sua interpretação alienada, torna a personagem ainda mais próxima.

    A projeção num tempo e universo distanciado não impede de reconhecer em Marguerite o símbolo de uma condição talvez mais moderna hoje do que em 1920.

    Ela posa para fotos como uma prima-dona do mesmo modo que nós "gourmetizamos" o arroz com feijão e apagamos a banalidade do cotidiano como se, assim, fosse possível exterminar a feiura, a decepção e o tédio. Sabemos que não é, por isso Marguerite é mais do que parece ser.

    MARGUERITE
    DIREÇÃO: XAVIER GIANOLLI
    ELENCO: CATHERINE FROT, ANDRÉ MARCON, MICHEL FAU
    PRODUÇÃO: FRANÇA/REPÚBLICA TCHECA/BÉLGICA, 2015
    QUANDO: EM CARTAZ

    Edição impressa

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