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    Flip

    Autora inglesa observa pássaros e se surpreende com urubus em Paraty

    JULIO LAMAS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    03/07/2016 14h05

    Divulgação/Editora Intrínseca
    O repórter Julio Lamas (à esq.), o biólogo Humberto Moura Neto, a escritora inglesa Helen Macdonald e a ornitóloga Martha Argel observam pássaros em Paraty
    O repórter Julio Lamas (à esq.), o biólogo Humberto Moura Neto, a escritora inglesa Helen Macdonald e a ornitóloga Martha Argel observam pássaros em Paraty; Macdonald narra relacionamento com falcão

    Helen Macdonald, autora de "F de Falcão" (Editora Intrínseca), não tinha andado sequer um quilômetro pela trilha próxima à cidade de Paraty, Rio de Janeiro, quando um espécime de Ramphocelus bresilius, também conhecido no Brasil como tiê-sangue, milagrosamente apareceu em um galho a menos de dez metros de nós.

    Era o pássaro que ela tinha colocado como prioridade na nossa jornada de observação, sua primeira pelos trópicos graças à Flip de 2016, onde é uma das principais convidadas.

    "Meu deus! Ele é tão vermelho! É mesmo um brazilian tanager, mal posso acreditar", disse a naturalista britânica de 45 anos, referindo-se à ave com seu nome em inglês, sem esconder por momento algum sua excitação ou aparentar que acordou naquele dia às 5h30.

    "Eu amo como o vermelho dele brilha entre as folhas escuras. Parece sangue. Mas estou falando de sangue bom, sangue arterial, e não aquele sangue venoso estranho. O ideal platônico de vermelho", disse com humor, ajeitando os binóculos profissionais, com mais de 30 anos de uso, na altura de seus olhos azuis grandes e saltados.

    Dante Buzzetti/Arquivo pessoal
    Passarinho "Tiê-sangue", em Ubatuba (SP). Ubatuba é cercada por uma das maiores áreas intactas de mata atlântica, bioma que possui a segunda maior variedade de aves do Brasil. (Foto: Dante Buzzetti/Arquivo Pessoal) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Pássaro "tiê-sangue" em Ubatuba (SP)

    No vocabulário dos observadores de pássaros, são chamadas "lifers" ou "life birds" as aves vistas pessoalmente pela primeira vez. Logo, não era para menos a sua alegria incontida. Macdonald nunca tinha avistado em campo, e em tão pouco tempo, tantas espécies novas para ela.

    Com o livro "Birds of Brazil" —um guia da Wildlife Conservation Society— a tiracolo e a companhia da ornitóloga e escritora Martha Argel, o passeio foi prato cheio para qualquer "birder" ou "birdwatcher" do hemisfério norte.

    I-SAW-YOU-WELL

    Entre os "lifers" do dia estavam saíras-sete-cores (Tangara seledon), sanhaços-cinzentos (Tangara sayaca), sabiás-laranjeiras (Turdus rufiventris), lavadeiras-mascaradas (Fluvicola nengeta), acrobatas (Acrobatornis fonsecais) e um pica-pau-anão-barrado (Picumnus cirratus), transmitindo por uma espécie de código morse a sua localização.

    "Uma das coisas que mais gosto na observação de pássaros é a sensação que se tem de possibilidades abertas. Normalmente, eu teria que viajar 500 km para ver tantas espécies assim", afirmou. "Mas olha esse maluquinho aqui! Parece que quer lutar com a gente", diz rindo, apontando um agitado sanhaço-coqueiro (Thraupis palmarum) para Argel.

    Durante a caminhada, ornitóloga ajuda a explicar os nomes típicos das aves, como o do bem-te-vi. Macdonald ri com a tradução para o inglês do nome do pássaro tropical: "'I-saw-you-well'? Que lindo isso!"

    Divulgação/Editora Intrínseca
    A escritora inglesa Helen Macdonald com seu livro "Birds of Brazil", um guia da Wildlife Conservation Society
    A escritora Helen Macdonald com seu livro "Birds of Brazil", um guia da Wildlife Conservation Society

    "É uma sorte estarmos aqui no inverno. Nesta época, é mais fácil avistar pássaros em bandos mistos porque eles são menos territorialistas e usam uns aos outros para achar e dividir comida. É como o comunismo das aves. Na primavera, elas voltam a ser indivíduos intolerantes", afirma a autora.

    Tentando imitar os sons dos pássaros que ouve pela floresta, atitude que chama de seu "problema crônico de empatia" com as aves, Macdonald tira dúvidas com a ornitóloga, que, por sua vez, faz um som ainda mais alto e peculiar, como um "psiu" diferenciado, para atrair os pássaros.

    "Depois sai no jornal uma reportagem sobre essa gente louca que faz sons estranhos na floresta", diz Argel em tom de brincadeira. "Tem observadores que fazem muito pior, tocando no telefone ou gravador o canto de um pássaro para atraí-lo. Isso é trapaça", afirma ela.

    MUSEU X CAMPO

    De acordo com Macdonald –também autora de "Falcon" (Reaktion Books, 2006), um dos mais importantes guias sobre falcões–, a popularização da ornitologia ajuda na proliferação de outros embustes condenados pelos observadores de pássaro autênticos (ou de raiz).

    "Há uma disputa antiga entre os ornitólogos de museu e os de campo. Os observadores de campo sempre querem ver o máximo possível de espécies novas, então qualquer pequena diferenciação já é suficiente para virar uma classificação taxinômica, o que gera muita confusão. É o que gosto de chamar de 'especiação por guia de campo'", disse.

    Não há pássaro que passe despercebido pela convidada da Flip, inclusive os urubus de Paraty, refestelando-se no lixo da praia, são alvos de comentários, fotos e minutos de observação.

    "Dá uma dor no pescoço, claro. Mas é essa atitude monástica, quase religiosa, que me encanta na observação de pássaros. Se você quer ver um determinado pássaro ou fazer um filme sobre isso, precisa passar por privações, inclusive físicas", afirma ela, que no momento está trabalhando em documentários sobre açores para a BBC.

    No fim do passeio, enquanto Macdonald discorre sobre como observar pássaros pode ser de fato um exercício de paciência, Argel aponta para um esquilo em uma árvore próxima. Macdonald levanta os binóculos rapidamente e sarcasticamente diz: "Não, não Não tenho interesse algum em mamíferos. Meu negócio são pássaros. Eu apenas amo muito pássaros".

    Divulgação/Editora Intrínseca
    A escritora inglesa Helen Macdonald fotografando pássaros
    A escritora inglesa Helen Macdonald fotografando pássaros
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