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    análise

    Abbas Kiarostami soube evitar apertos de um regime conservador

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    05/07/2016 02h00

    Mohsen Makhmalbaf vive exilado no Reino Unido. Jafar Panahi está em liberdade condicional e não pode sair do Irã. Asghar Farhadi só atenuou a fúria dos ultraconservadores que o ameaçavam após desculpar-se por ter defendido Makhmalbaf e Panahi.

    Ao contrário dos colegas, Abbas Kiarostami soube evitar apertos na complexa e sinuosa dinâmica entre artistas e regime. Sua maior contrariedade foi um veto oficial à divulgação de seus filmes em salas dentro do Irã.

    A proibição teve impacto simbólico, já que Kiarostami, como a maioria dos diretores autorais, não buscava nem poderia competir com os filmes comerciais que abarrotam os multiplex de Teerã. O que sustenta a milionária indústria do cinema iraniano são blockbusters de ação com viés nacionalista, não histórias sobre flautas e sapatos.

    O sinal mais claro da posição privilegiada de Kiarostami é sua visibilidade na mídia oficial, dominada por setores radicais do regime.

    Após a notícia da morte do cineasta, o "Tehran Times" o descreveu como um "artista famoso que ficou no Irã após a revolução islâmica de 1979 enquanto outros escolheram viver no exterior".

    No ano passado, o canal Press TV, emissora internacional em inglês, dedicou longa reportagem a um curso ministrado por Kiarostami em Barcelona. Kiarostami foi entrevistado pelo canal, algo impensável para os outros cineastas iranianos internacionais.

    A diferença pode ser explicada pelo fato de Kiarostami nunca ter comprado brigas ou causas, ao contrário de Panahi e Makhmalbaf, que apoiaram os megaprotestos de 2009 contra a reeleição supostamente fraudulenta do então presidente Mahmoud Ahmadinejad.

    A obra de Kiarostami está cheia de críticas às dificuldades de se viver no Irã (autoritarismo, pobreza, restrições sociais e morais sufocantes), mas tudo é codificado e subliminar. "O governo não entende meus filmes", disse em 2005.

    Kiarostami, que se declarava muçulmano, assumia com afinco o papel de embaixador cultural do Irã, nação orgulhosa de sua milenar e refinada civilização.

    Enquanto Farhadi escolhe atores profissionais sob evidentes critérios de beleza física, Kiarostami recorria a iranianos "reais", pessoas humildes e sem experiência no cinema.

    Em 2002, Kiarostami teve visto negado pelos EUA.

    Contraditório, como quase tudo no Irã, Kiarostami transitava com desenvoltura no jet-set de Teerã, de onde nunca quis se mudar.

    Conhecidos o descreviam como um ser extravagante, com seus modos de gênio consciente de si e inseparáveis óculos escuros, mas generoso e afável.

    As outras facetas artísticas de Kiarostami faziam fervilhar o mundinho das galerias de Teerã, onde exibia fotos e poesias.

    O jornalista SAMY ADGHIRNI foi correspondente da Folha em Teerã de 2011 a 2014

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