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    crítica

    Novo filme de Almodóvar não tem a ousadia típica do diretor

    SÉRGIO ALPENDRE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    07/07/2016 02h40

    O cineasta espanhol Pedro Almodóvar está longe de ser uma unanimidade no mundo do cinema. Alternando erros e acertos, como um Robert Altman latino, o diretor ganhou inúmeros detratores, tão fervorosos quanto os seus fãs –o que de certo modo é injusto, pois talento ele tem.

    Após o belíssimo "Fale Com Ela", realizou o frouxo "Má Educação". E, então, o tocante "Volver", que é seguido por "Abraços Partidos", medíocre diluição de sua poética. Já o filme seguinte, "A Pele que Habito", está entre os mais fortes que realizou. Ou seja, temos aí o indesejável efeito gangorra.

    Com "Julieta", adaptação de três contos da escritora canadense Alice Munro, o diretor emenda seu segundo filme-problema consecutivo, o que não acontecia desde a dobradinha infeliz "De Salto Alto" e "Kika", nos anos 1990.

    Claro que perto do terrível "Amantes Passageiros", o penúltimo de Almodóvar, "Julieta" parece ajeitado. Mas não podemos fechar os olhos para o que tem de problemático.

    Não é o caso de invocar a política dos autores: um mau filme de Almodóvar continua sendo um mau filme, apesar de sua assinatura, assim como o mediano "Julieta" não fica melhor debaixo desse suspeito verniz autoral.

    Divulgação
    Emma Suarez em cena do filme "Julieta", de Pedro Almodóvar
    Emma Suarez em cena do filme "Julieta", de Pedro Almodóvar

    As primeiras são um piloto automático com estética televisiva de quinta categoria, com excesso de luzes, closes e cortes nada inspirados.

    Julieta (Emma Suárez, musa dos filmes de Julio Medem nos anos 1990) é uma mulher de meia-idade que está prestes a se mudar para Portugal com o namorado Lorenzo (Darío Grandinetti).

    Mas um passado misterioso, que ela mantém em segredo, volta subitamente, fazendo com que ela resolva continuar em Madri, abandonando o compreensivo Lorenzo.

    Nesse passado, entenderemos logo, existe uma filha, com quem Julieta perdeu o contato há 12 anos. Por que esconder isso?

    Bem à maneira de Almodóvar, somos transportados para a juventude da protagonista, no exato momento em que ela se envolve com um homem em um trem noturno. O flashback traz certa invenção formal, mas apenas parcialmente. A jovem Julieta (Adriana Ugarte) nos conquista mais pela forma como é filmada do que pelo carisma da atriz.

    A aparição de um animal silvestre que corre ao lado do trem, por exemplo, é mágica, digna dos melhores filmes do diretor. Mas é filmada de modo ambíguo, e pode até lembrar um comercial de TV.

    A verdade é que Almodóvar está contido demais nesse filme. Em "Má Educação" torcemos para ele sossegar no maneirismo. Em "Julieta" ocorre o contrário: sentimos falta de um estilo mais marcante, algo cabível em um melodrama. Faltou o que normalmente lhe sobra: ousadia estética.

    Essa crise criativa está refletida na crise da protagonista, dividida entre um presente de arrependimentos e a possibilidade de recuperar algo do passado para, então, organizar seu futuro.

    Por isso a personagem, como o filme, é incapaz de alcançar uma plenitude.

    JULIETA
    DIREÇÃO: Pedro Almodóvar
    ELENCO: Inma Cuesta, Adriana Ugarte, Emma Suárez, Darío Grandinetti
    PRODUÇÃO: Espanha, 2016, 14 anos
    QUANDO: estreia nesta quinta (7)

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