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    crítica

    Italiano Sergio Toppi ousa em HQ sobre as 'Mil e Uma Noites'

    ÉRICO ASSIS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    09/07/2016 02h19

    Walt Simonson, desenhista conhecido nos Estados Unidos por seus quadrinhos, conta que teve um exemplar importado de "Sharaz-De" na sua coleção durante anos. Sempre que se sentia pouco inspirado, abria o álbum de Sergio Toppi e encontrava uma composição, uma ideia gráfica e "reaprendia até onde o desenho pode nos levar". Simonson, contudo, nunca havia lido "Sharaz-De".Sua edição era em italiano.

    Em prefácio à primeira publicação da HQ nos EUA, o norte-americano diz que só via as imagens, pois nunca aprendeu o idioma de Toppi. Mesmo assim, ele, Frank Miller, Dave McKean, Bill Sienkiewicz, Howard Chaykin ou outros nomes famosos dos quadrinhos nunca deixaram de admitir que idolatram a obra do italiano, mesmo com a dificuldade do idioma.

    Toppi, nascido em Milão e falecido em 2012, ganhou prêmios importantes entre os anos 1970 e 1990, época em que investiu em trabalhos autorais. "Sharaz-De" foi um deles.

    O álbum, que chega agora ao Brasil, é uma compilação de histórias produzidas no final dos anos 1970, quando o quadrinista decidiu adaptar contos de "As Mil e Uma Noites", mas seguindo parâmetros pessoais.

    A começar pelo título, uma grafia incomum do nome da contadora de histórias mais conhecida no ocidente como Xerazade, Sherazade, Sheherazade ou, em recente tradução de Mamede Mustafa Jarouche para o português, Sahrazad.

    Mas o motor narrativo continua o mesmo: o rei Shariyar, traído e enfurecido, convoca uma sucessão de virgens que mata após uma noite no leito real. Até que Sharaz-De voluntaria-se para servir ao rei e entretê-lo com histórias que conta até o nascer do sol. A contadora ganha mais um dia de vida ao prometer uma nova história para a noite seguinte.

    As oito histórias que Toppi escolheu, contudo, são das mais obscuras entre as mil e uma. Todas têm um componente moral bastante claro: a cobiça, a inveja, o orgulho levam à ruína; a abnegação, a fidelidade, a humildade são recompensadas com riquezas –muitas vezes de uma forma sobrenatural.

    Entre as marcas da insensatez monárquica que aparece nos contos estão as cabeças pregadas em estacas, sendo a decapitação a modalidade preferencial para as execuções no castelo real. As estacas são uma das formas de ressaltar a forte tendência vertical nas linhas de Toppi.

    COMPOSIÇÃO

    O italiano arma as páginas com atenção maior na composição ousada do que na narrativa ponto a ponto, de quadro em quadro. Cada folha é, à primeira vista, uma grande ilustração que, só ao segundo olhar, revela a ordem de leitura. Toppi tem tendência a organizar a composição em torno de grandes desenhos de rostos que se misturam a paisagens, no limite da abstração (veja ao lado).

    O quadrinho mais tradicional costuma encadear quadros que montam a narrativa, reservando os maiores ou páginas inteiras para um ponto importante da trama. Toppi inverte essa lógica: todas as páginas são grandiosas, imponentes, e o quadro a quadro aparece apenas pontualmente para ressaltar uma ação.

    São ideias como essa que inspiraram e seguem inspirando os discípulos de Toppi –os que leram suas HQs ou que apenas decodificaram seus desenhos. O italiano deu imagens marcantes a figuras e cenários que atravessaram séculos na prosa. Ao aproveitar um clássico da literatura, sua intenção não é apenas construir belos quadros, mas encontrar uma nova forma de narrar esses contos. Lê-los, seja pela junção entre imagens e texto, seja só pelos desenhos, é uma experiência singular.

    SHARAZ-DE: CONTOS DE AS MIL E UMA NOITES (VOLUME 1)
    AUTOR: Sergio Toppi
    TRADUÇÃO: Maria Clara Carneiro
    EDITORA: Figura
    QUANTO: R$ 79,90 (160 págs.)

    Edição impressa

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