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    Fotógrafo retrata geometria rude de São Paulo

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    10/07/2016 02h10

    Numa padaria, entre uma e outra pancada de chuva lá fora, Tuca Vieira me mostra a tela do celular com um mapa de São Paulo cravejado de alfinetes virtuais. "Todos esses pontinhos verdes são fotos que já fiz", diz o artista. "Dou um tempo em cada um desses quadrados, cada bairro, até achar o que eu quero. É um trabalho monstruoso."

    No caso, um monstro de 203 pedaços —o número de zonas esquadrinhadas pelo guia de ruas da metrópole. Em sua mais nova série, agora em exposição na Casa da Imagem, no centro paulistano, Vieira tentou fazer o retrato definitivo de cada um desses pontos. "A foto é um índice da minha presença nos lugares", ele diz. "Ela prova que estive lá, tipo cachorro mijando no poste."

    Quando a tempestade dá uma trégua, ele leva sua câmera de médio formato, um trambolho analógico, para o meio de um cruzamento em Osasco, nos arredores da cidade. Ali, um emaranhado de fios parece sobrecarregar os postes, o letreiro de LED de um posto de gasolina surge refletido numa poça d'água e ônibus e caminhões travam a via até a linha do horizonte.

    Vieira acha isso lindo. "Tem essa coisa de enfrentar a cidade, que não é sempre gostoso", ele diz, tentando encontrar o ângulo perfeito. "São Paulo é feia, é o reflexo de uma metrópole de país pobre, cheia de concessionárias de carros, agências bancárias. Tem lugares em que você não acha repouso para os olhos, mas isso é o que interessa."

    Na verdade, toda a histeria da cidade parece domada pelas linhas geométricas de suas imagens. Muitas delas foram feitas ao raiar do sol, evitando as multidões. Vieira também tem certa obsessão por cruzamentos e curvas, onde prédios, casas, velhos galpões e usinas ganham vulto monumental, quase sufocando a vista.

    CRUEZA EXUBERANTE

    Sua geometria fica ainda mais rude com o tempo de exposição de cada imagem, que plasma cada contorno da paisagem com exatidão mais que perfeita, ou seja, exagera a tal falta de repouso para os olhos que o artista enxerga em São Paulo. Quando tudo está em foco, numa espécie de crueza exuberante, não há descanso.

    Nesses enquadramentos acachapantes, Vieira parece deslocar para a metrópole do terceiro mundo, forjada no improviso, o extremo rigor da fotografia alemã, em especial a escola de Düsseldorf capitaneada pelo casal Bernd e Hilla Becher, que passou a vida retratando as velhas fábricas no interior do país europeu.

    Mas São Paulo, Osasco e o ABC estão longe da limpeza germânica. E Vieira deixa isso explícito no uso da cor, retratando os tons berrantes de postes, carros e orelhões que causam mais incômodo do que uma sensação de paz.

    "Não estava procurando fábricas aqui, mas quis trazer esse registro para São Paulo", diz o artista. "É um trabalho sobre paisagem que não deixa de ter humanidade, já que as pessoas se relacionam com esses troços. É a ideia de aceitar aquilo que me coube como lugar. O trabalho parece todo metódico, sistemático, mas tem algo da minha relação com a cidade, uma coisa afetiva mesmo."

    TUCA VIEIRA
    QUANDO de ter. a dom., das 9h às 17h; até 16/10
    ONDE Casa da Imagem, r. Roberto Simonsen, 136, tel. (11) 3241-1081
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