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    análise

    Hector Babenco foi o que vimos de mais próximo a Hollywood

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    15/07/2016 02h04

    Nunca, no Brasil, desenvolveu-se um talento tão hollywoodiano quanto o de Hector Babenco. Desde seus primeiros filmes –em especial "Lúcio Flávio" e "Pixote"– soube articular o policial ao político, a reflexão à ação.

    Dialogava com um público amplo, atraído pela atualidade dos assuntos, mas também pelo estilo muito mais sólido do que arrojado ou inovador. O salto internacional veio em 1985 com "O Beijo da Mulher Aranha", baseado em um romance argentino (de Manuel Puig), com roteiro do norte-americano Leonard Schrader e elenco internacional.

    "O Beijo" rendeu a William Hurt um Oscar de melhor ator, projetou Sonia Braga como estrela em nível internacional e valeu ao próprio Babenco uma indicação para melhor diretor. Sem falar, claro, do convite para transferir-se aos EUA.

    Curiosamente, ali Babenco revelou-se o menos hollywoodiano dos cineastas. "Ironweed", um drama nos anos da Depressão, reuniu no elenco Jack Nicholson e Meryl Streep. Não fez sucesso, mas ambos foram indicados ao Oscar, o que mais uma vez afirmou sua solidez na direção, em particular na direção de atores.

    A aventura americana terminaria em seguida, quando "Brincando nos Campos do Senhor" (1991), ficção em torno do encontro entre missionários americanos e índios brasileiros, fracassou em mais ou menos todos os níveis.

    Desde então, a carreira de Babenco foi balizada pela saúde precária. Sofrendo de câncer do sistema linfático, só voltaria a dirigir sete anos depois, em "Coração Iluminado", filme que marca, de certa forma, sua reconciliação com a Argentina onde nasceu. Na trama, o protagonista, Juan, volta ao país após longa ausência, para visitar o pai.

    Apesar de dirigido em um momento de saúde debilitada, o filme tem uma metade muito forte –a história de Juan é dividida em duas épocas: foi talvez o momento em que o estilo de Babenco mostrou-se mais ousado.

    Em 2003, "Carandiru" representou o último encontro do cineasta com o sucesso e também uma espécie de retorno ao espírito que o consagrara nos anos 1980: um assunto forte, de atualidade, levado com eficácia e capaz de dialogar com um público amplo.

    "O Passado", história que gira em torno da separação de um casal, foi filmado na Argentina e voltou a afirmar o reencontro com o país de origem, mas parece ressentir-se da longa ausência: às vezes deixa a impressão de ter sido filmado por um estrangeiro.

    Em seu último filme "Meu Amigo Hindu", Babenco passava em revista seu câncer, o que incluía detalhes sobre o transplante de medula, as relações familiares nem sempre pacíficas e, mesmo, o encontro com a atriz Bárbara Paz, sua última mulher.

    Não foi o melhor de seus filmes, mas aquele que, legitimamente, pode-se chamar de "testamento", não só pelo enunciado autobiográfico, pela maneira como expunha sofrimentos e alegrias pessoais, como pelo sentimento que o filme transmitia de um enorme esforço (físico) para mostrar sofrimentos e alegrias pessoais cuja exposição talvez representasse, também, um enorme esforço (antes de tudo psíquico).

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