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    Travesti doutoranda e prostituta, Amara Moira narra sua vida em livro

    RODOLFO VIANA
    DE SÃO PAULO

    21/07/2016 17h00

    Bruno Poletti/Folhapress
    SAO PAULO, SP, 09.07.2016: - Retrato da Escritora trans Amara Moira em seu apartamento na zona sul de Sao Paulo. Amara esta Lancando o livro E Se Eu Fosse Puta. (Foto: Bruno Poletti/Folhapress, FSP-MONICA BERGAMO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    Retrato da escritora Amara Moira em seu apartamento, na zona sul de São Paulo

    Os peitinhos começaram a despontar na véspera da Parada do Orgulho LGBT de 2014. A primeira injeção de Perlutan, composto de hormônios femininos, já estava fazendo efeito. Agora que aquilo estava no corpo, não tinha mais como mudar de ideia.

    "Fui à loja Marisa aqui de Campinas, fiz um crediário e renovei meu guarda-roupa", lembra. Comprou saias e blusinhas. A partir daquele momento, abandonou por completo os trajes masculinos que vestiram seu corpo por 29 anos: Amara Moira, nome que havia adotado para si, ganhava, enfim, a figura de mulher.

    Doutoranda em crítica literária pela Unicamp —onde estuda "o intraduzível em 'Ulysses', de James Joyce", explica— e prostituta em Campinas (SP), Amara lança "E Se Eu Fosse Puta", um relato autobiográfico da sua transição de gênero e de experiências como profissional do sexo.

    Boa parte do relato é composto de angústias -como quando é desprezada nas ruas e percebe sorrisinhos de escárnio dos outros.

    "Antes [de assumir a Amara], eu não chamava atenção na rua. E de repente, quando você se coloca como mulher e, mais especificamente, como travesti, todos os olhos se voltam a você para tentar te entender", afirma Amara.

    "E há todo tipo de olhar: mais hostil, mais curioso... Esse olhar constante é um lembrete de que você é considerada uma aberração."

    Ela própria levou um tempo para se ver como mulher. Lembra que, quando veio a São Paulo para a Parada, uma drag queen a maquiou e deu sugestões de roupas. "Somente aí que consegui me enxergar no feminino", diz.

    Da viagem à capital paulista em 2014, voltou como mulher feita. Fez questão de tomar o ônibus com roupas femininas —queria que sua família, quando a buscasse na rodoviária de Campinas, a visse como ela realmente era.

    "Minha mãe estava com minha avó, que completava 92 anos naquele dia", lembra. "Quando entrei no carro, minha mãe falou: 'Esse é o presente que você quer dar a ela?'. Respondi: 'Quer presente melhor que ganhar uma neta?'", conta, aos risos.

    Em meio a angústias, o livro revela alguns prazeres. Entre eles, se sentir bonita quando visitava as amigas prostitutas, único momento em que "os homens me abordavam publicamente". Algum tempo depois, assumiu o ofício —não por necessidade financeira, mas pela solidão.

    E SE EU FOSSE PUTA
    AUTORA Amara Moira
    EDITORA Hoo
    QUANTO R$ 34,90 (216 págs.)

    *

    TRECHO

    Medo de quê? De tudo. Mas sobretudo de ter que do nada me prostituir, ter que ir da noite pro dia buscar cada centavo do meu sustento na prostituição. E não eram os corpos sem nome, vários, variados, via de regra fora do padrão, em diversos graus de higiene e saúde, o que me assustava. Com esses me dou bem, e até prefiro, anônimos, fora do padrão (como eu própria me sentia sempre, ainda mais agora). Sexo nunca foi foda (...). Meu medo era, antes, a violência da exclusão, me ver pária da noite pro dia, tratada feito lixo, perder família, amigos, círculo social, não ter um teto pra chamar de meu, o direito de continuar estudando, de poder buscar emprego que não fosse esse que não consideram emprego: puta.

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