Para jogar xadrez com imortais é preciso pisar leve, não fazer barulho. Pelo menos em público. Afinal, nos bastidores, quem deseja uma vaga na ABL (Academia Brasileira de Letras) deve começar sua campanha eleitoral.
É nesse ponto em que estão Eros Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, e Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES. Em uma situação incomum na ABL, a vaga aberta de Evaristo Moraes Filho, morto na sexta (22), tem dois favoritos.
| Alessandro Shinoda/Folhapress | ||
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| Eros Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal |
Normalmente, o principal candidato desponta de cara —caso de Geraldinho Carneiro e a vaga de Sábato Magaldi. Mas ainda é cedo para dizer se a ABL vai preferir o jurista ou o economista.
Dentro da Academia, ninguém abre a boca. "Já assisti a 64 enterros e, portanto, a 64 eleições. A média é de 2,2 [mortos] por ano. Agora é o momento de partida", afirma Arnaldo Niskier.
Quer dizer, dentro da Academia ninguém abre a boca em público. Niskier se nega a dar detalhes sobre a eleição, mas outros imortais procurados pela Folha dizem ser ele um dos apoiadores de Eros Grau.
Do lado de Edmar Bacha, estão Merval Pereira e Eduardo Portella, dois fazedores de reis. A seu favor, já se falou que a ABL precisa de um economista para cuidar de suas aplicações financeiras.
| Pedro Carrilho/Folhapress | ||
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| Economista Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real |
O nome, porém, ainda causa estranhamento em alguns acadêmicos da "ala da cultura". "Você sabe algo dele além de ter sido presidente do Banco Central [na verdade, Bacha foi presidente do BNDES]?", um imortal pergunta, ressaltando sentir falta de uma obra mais interpretativa do Brasil, para além dos livros de economia de Bacha, e destacando Roberto Campos e Celso Furtado como exemplos.
Eros Grau tem a seu lado a ligação com as artes e o fato de receber imortais em sua casa em Tiradentes (MG). Contra ele pode pesar a obra literária erótica, que faz corar acadêmicos mais carolas. Grau concorre pela segunda vez (em 2010, perdeu para Geraldo Holanda Cavalcanti).
Nesta semana, um membro da ABL disse até que o ex-ministro tem um livro com uma foto pelado –e a imagem ia aparecer nos jornais se ele fosse eleito. Na verdade, uma lenda famosa em Brasília diz que Grau tem uma estátua sua nu em casa.
"Isso é uma brincadeira de um amigo muito sem-vergonha! Não é verdade", gargalha Grau. Procurado, Edmar Bacha não quis dar entrevista.
Quem também manifestou interesse na vaga foi Antônio Campos, irmão de Eduardo Campos, o político pernambucano morto em 2014. Ele enviou a imortais caixas com seus livros pedindo apoio. "A candidatura não funciona assim", comenta um acadêmico.
Por ora, novidade mesmo é a volta do telegrama. "Eu fiz a minha campanha por e-mail! Agora está todo mundo recebendo telegrama!", limita-se a dizer Zuenir Ventura, sem comentar as eleições.
A ABL surgiu em 1897, com Machado de Assis como seu primeiro presidente, mas a ideia de criar uma instituição do tipo vinha desde o império. A casa dos imortais foi criado nos moldes da Academia Francesa de Letras, que surgiu no século 17, durante o reinado de Luiz 13.
Ainda seguindo o modelo da instituição francesa, a ABL conta com 40 membros. Além de Machado, o primeiro time de imortais contava com Inglês de Sousa, José do Patrocínio, Coelho Neto e Artur Azevedo, entre outros.
Há outras instituições do tipo pelo mundo, como a Academia de Ciências de Lisboa, em Portugal, ou a British Academy, no Reino Unido.