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    Crítica

    Atuações e cenários minuciosos revelam o teatro de Jô Bilac

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    30/07/2016 02h04

    Os quatro monólogos de "Fluxorama", três dos quais já haviam recebido um primeiro tratamento em 2013, confirmam o gradual amadurecimento de Jô Bilac. Evidenciam aprofundamento de personagens e temas, para além da inventividade formal.

    O jovem dramaturgo carioca ainda é devedor de Nelson Rodrigues, como em "Rebú" e outras, mas ficou para trás uma certa frieza de outras montagens de textos seus, como "Limpe Todo o Sangue". E a influência rodriguiana já se dá menos pela farsa jornalística e mais pelas figuras humanas e sua introspecção.

    Caio Gallucci/Divulgação
    Marjorie Estiano em cena de "Fluxorama"
    Marjorie Estiano em cena de "Fluxorama"

    Como em "Valsa nº 6" ou "Beijo no Asfalto", de Nelson Rodrigues, Bilac trabalha aqui com situações limites –da proximidade da morte nos primeiros monólogos e do cerco e opressão do indivíduo pela grande cidade nos últimos.

    O melhor exemplo está no quadro final, "Medusa", com Caco Ciocler. Tanto nas palavras como na atuação, abre superficial, piadista, mas aos poucos seu ridículo se torna existencial, aproxima-se da miséria. Encerrada a apresentação, é aquele que persegue o pensamento do público.

    As quatro cenas, sem elo narrativo entre elas, resultam inadvertidamente num torneio de atores. Aquela que empolga mais é "Valquíria", com Marjorie Estiano. Em parte, por ser uma revelação diante de atores experimentados e reconhecidos, como Ciocler e Juliana Galdino.

    O extremo da situação, uma jovem que tenta chegar ao fim da São Silvestre, é reforçado pela direção de Monique Gardenberg. Em poucos minutos, talvez 20, sem sair do lugar, a atriz corre sem parar, perdendo forçosamento o fôlego e o autocontrole. A personagem questiona desde o motivo de estar ali até a própria vida –com gestos que remetem ao final trôpego de Gabrielle Andersen-Scheiss na maratona de 1984.

    Galdino, em "Amanda", e Luiz Henrique Nogueira, em "Luiz Guilherme", carregam monólogos mais dramáticos e, na apresentação, de menor impacto junto ao público.

    A atriz confirma o virtuosismo no papel de uma mulher que aos poucos perde os sentidos, os contatos com a realidade, sentada à mesa de uma sala de estar suburbana. Vai se fechando, não vê mais, não ouve mais os outros, e passa a falar consigo mesma.

    "Luiz Guilherme", em que o personagem está paralisado num carro após um acidente, é o quadro em que a cenografia de Daniela Thomas e Felipe Tassara –um dos elementos fortes do espetáculo– impressiona mais.

    Como é característico da cenógrafa, é uma ideia muito clara, até simples, levada ao limite de detalhamento: Os cenários são projetados numa tela transparente à frente do palco, e os atores surgem como se emoldurados no centro do quadro, iluminados atrás da tela.

    Na projeção estática da cena do acidente, o personagem é envolvido pela mata espessa, um acúmulo de árvores, à espera da morte.

    FLUXORAMA
    QUANDO qui. e sex., às 21h; sáb., às 19h e 21h; dom., às 18h; até 21/8
    ONDE Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
    QUANTO R$ 40
    CLASSIFICAÇÃO: 14 ANOS

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