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    'Cinemateca precisa operar como um museu moderno', diz Olga Futemma

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    03/08/2016 02h00

    Discreta e avessa a holofotes, Olga Futemma, 65, esteve no centro do ruidoso episódio de 81 demissões promovidas na semana passada pelo MinC (Ministério da Cultura), sob o comando do ministro Marcelo Calero, do governo interino.

    Uma das demitidas, Futemma foi reconduzida ao cargo de coordenadora-geral da Cinemateca no sábado (30).

    Ela foi readmitida após a publicação de um manifesto com mais de 1.300 assinaturas criticando sua demissão e a de toda a cúpula da Cinemateca –e de a Folha revelar a existência de denúncia de estelionato contra Oswaldo Massaini Filho, apontado pelo ministério para sucedê-la.

    Funcionária da instituição há 32 anos, Futemma reassume com quatro colegas que também haviam sido exonerados. Em sua primeira entrevista após a recondução, ela diz que a Cinemateca –responsável por preservar o acervo audiovisual brasileiro– está "convalescente, mas viva".

    Joel Silva/ Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL- 02-08-2016 : Olga Futemma, diretora da Cinemateca que voltou ao posto após a demissão, e Carlos Augusto calil, que preside o conselho da Cinemateca durante entrevista na Cinemateca de Sao paulo ( Foto: Joel Silva/ Folhapress ) ***ILUSTRADA *** ( ***EXCLUSIVO FOLHA***)
    A coordenadora Olga Futemma na Cinemateca

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    Folha - Como você recebeu a notícia da exoneração?

    Olga Futemma – Com muita surpresa. Não compreendi. Foi muito duro. As demissões não podem ter como critério o tipo de vínculo das pessoas, assim como as admissões não podem se dar por amizade.

    O Conselho da Cinemateca foi ouvido antes das demissões?

    Não. Os membros foram tão surpreendidos quanto nós. E o Conselho é muito atuante, existe desde a criação da Cinemateca e já contou com Décio de Almeida Prado, com Antonio Cândido. Mas ele ainda não está no organograma do ministério.

    O ministro Calero disse que as demissões representavam o "desaparelhamento" no ministério. Como reage a isso?

    Acredito que tenha sido uma expressão infeliz. O único aparelhamento com o qual lidamos aqui é do aparelho mesmo, da máquina. Posso ter minhas opiniões políticas, mas aqui faço meu trabalho.

    Conhece o trabalho de Oswaldo Massaini Filho, apontado pelo MinC para substitui-la?

    Ele já esteve aqui e conhece muito a biblioteca. A Cinemateca apoiou vários dos projetos do irmão dele, o Aníbal [diretor e produtor]. Mas os conheço muito pouco.

    Em 2013, a gestão Marta demitiu o coordenador e congelou repasses à Sociedade Amigos da Cinemateca após a Controladoria-Geral da União abrir auditoria para investigar o convênio. Acha que houve má gestão da Cinemateca na época?

    Não foi má gestão. Houve uma confluência de problemas. A aquisição de alguns acervos, como o da Vera Cruz e de Norma Bengell, foi questionada. E, antes de se verificar o que houve, o ministério congelou os repasses e exonerou o nosso diretor. Foi de uma violência muito grande.

    Você assumiu o posto em julho do ano passado. Em que situação estava a Cinemateca?

    No auge da crise, em 2013, 138 técnicos tiveram que ser demitidos. Tivemos que elaborar uma saída emergencial para lidar com a situação dos poucos funcionários. O nosso laboratório de imagem e som já contou com 40 pessoas; de maio do ano passado até o começo deste ano só uma pessoa ficou lá. Hoje são sete. Temos um acervo com 250 mil rolos de filmes, cada um com um problema diferente. É evidente que, com uma equipe pequena, é humanamente impossível dar conta.

    Qual o seu diagnóstico da situação da Cinemateca hoje?

    Ela está convalescente, mas está viva. Hoje há 14 servidores, muitos em vias de se aposentar, outros três que vieram do Ministério do Planejamento e 40 técnicos contratados via organização social. Ainda não conseguimos voltar a fazer o restauro de filmes, que leva muito tempo e prospecção de muitos materiais. O que fazemos é duplicação emergencial, que serve para a preservação do material audiovisual, mas não permite que ele seja exibido. As bases de dados também sofreram muito desde 2013 e voltaram a ser atualizadas em fevereiro.

    Além da preservação, outras áreas continuam afetadas?

    Procuramos atender produtores e pesquisadores que nos procuram. Mas é impossível atender quando o prazo que dão é pequeno ou os títulos são muitos. A Cinemateca é credenciada pela Ancine para elaborar laudos técnicos sobre todos os filmes que tenham usado fomento público. Com o desmonte da área de catalogação, temos um passivo de 400 títulos à espera desses laudos e produtores que precisam disso para a prestação de suas contas.

    O que acha de as contratações de técnicos serem geridas por uma organização social?

    Os contratos dos funcionários não podem ser temporários, como são hoje. Os dos 40 atuais vão até dezembro. A Cinemateca tem uma equipe com saberes complementares, não se alcança isso de uma hora para outra. As contratações estão formatadas como projetos com prazos, mas temos metas.

    Já existe aceno para que esses contratos sejam renovados?

    Já ouvi falar em aditivos, que é a renovação por alguns meses. Mas não dá para operarmos aos soluços. Se não renovarem, para novamente. Numa reunião com o ministro, falei que não se trata de interromper os trabalhos, mas de perder trabalho já feito.

    O que acha da ideia de uma organização social gerir o órgão, e não apenas as contratações?

    É um modelo que se discute há uns seis anos. A organização social selecionada terá que ter conhecimento profundo. Não é mera administração. Tem de se ter muito claro o que priorizar. Estamos à espera da seleção dessa OS.

    Qual a sua opinião sobre tirar a Cinemateca do âmbito da Secretaria do Audiovisual e transferi-la para o do Instituto Brasileiro de Museus?

    A Cinemateca cabe dentro das duas instâncias. Mas defendo que vá para o Ibram porque a dimensão museológica dela precisa ser fortalecida. É a ideia de que ela tem um acervo a zelar, dentro do contexto de um museu moderno, que tem também difusão, que espalha a ideia da beleza do cinema. Essa alternativa foi levantada pelo próprio ministro quando ele me telefonou recentemente.

    O secretário do Audiovisual defendeu que parte dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual sejam revertidos à preservação. Que acha?

    Não existe ainda, mas seria absolutamente correto que uma parte viesse para a preservação. Está no texto original do próprio Fundo Setorial.

    Em fevereiro houve incêndio, o quarto da história da Cinemateca. O que foi feito para prevenir um próximo?

    Estamos tocando um projeto básico de melhoria desse depósito, com mais climatização e tecnologia.

    O incêndio foi em uma das quatro câmaras em que guardados os nitratos, altamente inflamáveis. A construção da câmara funcionou. Mesmo assim, perdemos mil rolos, dos quais 60% haviam sido duplicados. Cheguei aqui e vi os meninos tirando todos os rolos e abrindo as tampas para promover a troca de ar. É uma imagem que nunca mais vai sair da minha cabeça.

    *

    O IMPACTO DA CRISE

    2012

    O órgão conseguiu restaurar 84 títulos e recebeu público de cerca de 60 mil pessoas.

    2013

    No ano em que iniciou a crise, 13 filmes foram restaurados e parte da exibição interrompida.

    2014

    No auge da crise, nenhum filme pôde ser restaurado e o órgão recebeu 17 mil pessoas.

    2015

    Mais uma vez, nenhum filme restaurado; as mostras levaram 46 mil pessoas às sessões.

    *

    RAIO-X Olga Futemma

    Formação

    Cinema pela USP e mestrado em estética do audiovisual.

    Carreira na Cinemateca

    Entrou no órgão em 1984, no setor de catalogação de filmes. Em 2002 passou a coordenar o centro de documentação e pesquisa da instituição e virou diretora-adjunta em 2007. Aposentou-se em 2013, mas assumiu a coordenação-geral em 2015. Exonerada no último dia 26, foi reconduzida ao posto.

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