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Ilustrada
Thursday, 21-Nov-2024 05:44:26 -03Globo favorece atores ocidentais em núcleo japonês de nova novela das 18h
ANAHI MARTINHO
DE SÃO PAULO08/08/2016 02h15
Em "Sol Nascente", próxima novela das 18h da Globo, com estreia no fim de agosto, as trajetórias de uma família japonesa e de uma italiana se fundem no romance entre seus primogênitos, vividos por Giovanna Antonelli e Bruno Gagliasso.
Uma brasileira órfã adotada pelo padrasto japonês foi a solução encontrada pela emissora para acobertar uma possível estranheza do público ao ver Antonelli protagonista do núcleo nipônico.
Não que a compatibilidade entre a etnia de atores e personagens fosse motivo de preocupação, já que o patriarca japonês, Kazuo Tanaka, será vivido por Luís Melo.
A escalação do ator de traços ocidentais está incomodando artistas, militantes e entidades ligadas à preservação da cultura asiática, que acusam a Globo de racismo e "yellowface", prática análoga ao "blackface" (quando um branco pinta o rosto para o papel de negro).
E o que não falta ao canal são alternativas. Escalado originalmente como Tanaka, o japonês naturalizado brasileiro Ken Kaneko diz ter sido substituído por Luís Melo sem justificativa ou retorno. "Não sei de nada, até agora não tive resposta", afirma ele à Folha. "Parece que a novela é sobre o povo nikkei [denominação japonesa para descendentes ou imigrantes], então seria interessante ter participado", lamenta.
Divulgação Ken Kaneko em cena do longa "Corações Sujos" (2012) O ator de musicais Marcos Tumura, descendente de japoneses, também foi recusado em teste para o papel. Ele fará outro personagem de menor destaque.
Defensor de um boicote à novela, o blogueiro e militante Fábio Ando Filho diz que o "yellowface" deriva de uma "tradição da cultura branca de mistificar e ridicularizar outras raças" e que isso reproduz estereótipos ofensivos e causa silenciamento e sub-representatividade. "A novela se propôs a homenagear uma minoria racial, mas na verdade está criando histórias apetecíveis para o público branco", aponta.
No meio artístico, o tema tem sido problematizado pelo Coletivo Oriente-Se, que envolve mais de 250 atores de ascendência asiática. Uma das fundadoras, Cristina Sano, primeira atriz nipo-brasileira a atuar em novela da Globo, "Roda de Fogo" (1986), ressalta que ainda há pouco espaço na tela para orientais.
As raras oportunidades costumam ser para papéis caricatos, quando não com pronúncia errada do português. "Já se passaram cem anos da imigração japonesa, estamos na quarta ou quinta geração, é absurdo achar que alguém da nossa idade falaria errado", pontua Sano. Mesmo assim, em um teste recente para a TV, ela foi solicitada a forçar sotaque japonês, mas se recusou.
A prática não é novidade na televisão. Em 2014, o ator Rodrigo Pandolfo viveu o sul-coreano Shin-Soo na novela "Geração Brasil", com direito a fita adesiva nos olhos. Nos EUA, o problema vem sendo discutido há décadas e tem vários exemplos hollywoodianos –o mais polêmico é Mickey Rooney como o Sr. Yunioshi em "Bonequinha de Luxo" (1961).
Reprodução/Youtube Mickey Rooney vive o Sr. Yunioshi em "Bonequinha de Luxo" "Quero deixar claro que isso é muito grave e não nos representa", enfatiza Sano. A atriz Ligia Yamaguti, também ligada ao coletivo, completa: "Gostaria de saber o que aconteceu. Escalar um ator ocidental é desrespeitoso".
Nas poucas vezes em que foge do ridículo, o papel, no mínimo, exige uma subtrama que gire em torno do fato do personagem ser oriental, como se fosse preciso justificar sua orientalidade, aponta o ator Marcos Miúra.
A opinião é endossada por Henrique Kimura, que protagonizou a peça "Descaminhos", que falava justamente sobre a sub-representatividade do ator oriental. Ele propõe como solução o aumento da oferta de papeis "normais", não necessariamente ligados ao contexto da imigração.
Divulgação/Globo Rodrigo Pandolfo usava fitas adesivas nos olhos para viver o coreano de "Geração Brasil" O Coletivo Oriente-Se estreia no dia 1º de setembro um canal no Youtube, espaço em que os artistas vão mostrar seu trabalho em várias frentes, nem sempre ligadas à problemática racial. "Fizemos uma peça com várias Marilyn Monroe japonesas, outra peça infantil sobre reciclagem", conta Sano.
A Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e Assistência Social (Bunkyo) se pronunciou pedindo respeito e fidelidade à cultura. "Gostaríamos que os atores japoneses e descendentes fossem valorizados e que houvesse mais oportunidades para que pudessem mostrar seu trabalho na grande mídia, pois muitos deles já têm sido reconhecidos em outros meios", diz a presidente Harumi Arashiro Goya.
"Esperamos que ao longo desta novela nossos costumes sejam retratados com fidelidade, respeitando nossas tradições e cultura, sem equívocos e personagens estereotipados. Nos colocamos à disposição para fornecer material para auxiliar nesse trabalho que tem referências à nossa história", acrescentou.
Procurada, a Globo, por meio de sua assessoria de imprensa, diz que "a novela não é sobre o Japão". A emissora também afirma não comentar bastidores sobre testes de elenco.
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