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    Crítica

    'Hotel Jasmim' revela amizade surgida à revelia das diferenças

    CAIO LIUDVIK
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    08/08/2016 02h06

    Em nossos tempos de crescente intolerância ideológica, Narciso não só acha feio, mas insulta, agride e mata o que não é espelho. "Hotel Jasmim" sugere outro caminho.

    A peça, com direção de Denise Weinberg e Alexandre Tenório, trata de dois personagens aparentemente incompatíveis, que acabam por dividir um quarto de pensão.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Sao Paulo, SP, Brasil. Data 27-07-2016. Espetaculo Hotel Jasmim. Atores Daniel Farias (esq) e Dudu Pelizzar. Teatro Italia. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
    Daniel Farias (esq.) vive o garçom Jorge e Eduardo Pelizzari, o michê Fernando, na peça

    Um deles, Jorge Washington, alusão ao presidente dos EUA, acaba de chegar do Nordeste para trabalhar como garçom, após a morte do pai num latrocínio. Traz na bagagem valores tradicionais de família e religião (evangélica) e um idealismo ingênuo.

    Jorge dividirá o teto com Fernando, michê (por gosto, diz) descrente em Deus e nos homens. Sua visão desiludida da vida pode ser resumida na fala: "Isso aí é a vida aqui! Isso é todo dia. Um bate, outro apanha. E o que apanha tem que ficar calado".

    A peça de Cláudia Barral prima pela habilidade em retratar o pêndulo de atração e repulsa, hostilidade e ternura entre os dois. A referência imediata é "Dois Perdidos numa Noite Suja", de Plínio Marcos.

    A química entre os atores Eduardo Pelizzari e Daniel Farias garante que a contundência do texto de Barral seja transmitida com clareza. O mesmo não se pode dizer da opção da cenografia: para fugir da solução naturalista mais óbvia, o quarto de hotel é caracterizado como um outdoor de costas para a plateia.

    A ideia, que poderia ter melhor nitidez cênica, é boa: retratar a invisibilidade de pessoas mais consumidas que consumidoras na sociedade. Com o tempo, os personagens parecem ensaiar uma rebelião e vão pondo abaixo a estrutura que os aprisiona. Desafiam também a cartilha do Narciso violento de que, nesse mundo de quase todos contra todos, só se pode ser amigo de um sósia moral.

    E as próprias afinidades ocultas vêm à tona, mas não por uma mera questão de "luta de classes". A amizade genuína, lembra este belo espetáculo, terá sempre aquele quê enigmático captado tão bem na justificativa que Montaigne dava para seu afeto por La Boétie: porque era ele, porque era eu.

    HOTEL JASMIM
    QUANDO Sex., às 21h30, sáb., às 21h, dom., às 18h; até 28/8
    ONDE Teatro Itália, av. Ipiranga, 344, tel. (11) 2122-2474
    QUANTO R$ 50
    CLASSIFICAÇÃO: 14 ANOS

    Edição impressa

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