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    Mostra Mundo Árabe exibe filmes que desafiam a ideia de 'cinema palestino'

    DIOGO BERCITO
    DE MADRI

    10/08/2016 02h00

    Cineastas palestinos têm fugido de algo que os acompanha há décadas: o próprio cinema palestino, muito preso ao tema do conflito com Israel. Mesmo mantendo a política no horizonte, diretores buscam alternativas.

    Algumas das produções inovadoras dessa safra chegam a São Paulo nesta quarta-feira (10), com a Mostra Mundo Árabe de Cinema. O festival, em sua 11ª edição, é organizado pelo Instituto da Cultura Árabe e inclui produções de toda a região.

    Um dos destaques é "Amores, Roubos e Outras Complicações", de Muayad Alayan. O longa-metragem acompanha um protagonista atrapalhado que, distante da caricatura de terrorista ou mártir, embanana-se nas agruras do cotidiano.

    "Os filmes palestinos, ou sobre palestinos, sempre tiveram a vítima ou o patriota como personagem", diz à Folha Alayan. "Isso vem da realidade, nós conhecemos essas pessoas na vida real."

    "Mas o personagem que também conhecemos e que não é representado é o cara normal, que está somente tentando ter uma vida melhor e nem sempre faz as melhores escolhas", afirma.

    "Amores..." não é um filme político em si. Seu tema não é nem ocupação dos territórios da Cisjordânia desde 1967 nem o longo conflito entre palestinos e israelenses. O longa é uma comédia sobre um ladrão de carros que se complica ao roubar o veículo errado.

    Mas a política está presente no filme, como algo de que não se pode escapar. O personagem encontra um soldado israelense no porta-malas de um dos carros, o que inclui na história as forças de segurança de Israel e as autoridades palestinas.

    Há um sem-número de filmes palestinos e israelenses sobre o confronto. "Eles se repetem", diz Alayan. Quase como se fosse um gênero em si. Do lado palestino, afirma, há a ideia de uma obrigação de argumentar por uma causa.

    "Sempre tivemos a sensação de que Israel é mais poderoso do que a gente na mídia", afirma o cineasta. "Temos a responsabilidade de divulgar nossa mensagem."

    Sua geração, no entanto, tem trabalhado –espontaneamente, afirma– para criar um cinema que contribua para além do conflito. "Não somos apenas uma nação sob ocupação. Temos uma longa história, uma cultura rica para dividir com o mundo."

    EXTREMISMO

    Outro dos destaques palestinos na mostra é o curta "Ave Maria", indicado ao Oscar deste ano. Comédia absurda, a produção debate a rigidez dos códigos religiosos, assunto fundamental no Oriente Médio.

    "Ave Maria" é a história da interação entre uma família de colonos israelenses e um grupo de freiras em voto de silêncio na Cisjordânia. Basil Khalil, o diretor, coloca esses personagens em uma situação em que precisam cooperar, algo com que não estão muito acostumados.

    "Eles decidem quebrar suas regras para se livrar uns dos outros e prosseguir com seus estilos de vida", diz Khalil. "O que eles percebem é que as chamas do inferno não os engoliriam porque quebraram algumas normas" –o "shabat", no caso dos judeus, ou o silêncio, no caso das freiras.

    A política, nessa comédia, está na ideia de que nos territórios israelenses e palestinos as pessoas agem a partir de regras com que já nasceram, sem questioná-las.

    "Todos os extremistas religiosos são iguais", diz Khalil. "Pensam que estão certos e todo o resto está errado. Mas a religião não deveria identificar quem eu sou nem me alienar de ninguém", afirma.

    Para Geraldo Adriano Godoy de Campos, curador da mostra, a preocupação palestina em inovar não está restrita ao cinema. Ela aparece, também, na poesia, na música, na dança. "Há uma nova fase, se comparamos com o cinema militante dos anos 1960 e 1970, vinculado a organizações políticas."

    A criatividade é necessária neste momento, marcado por conflitos regionais e por uma crise de representação. Pelo pouco contato com produções do Oriente Médio, os públicos têm dificuldade de associar desastres humanitários a imagens e se sensibilizar, diz Godoy.

    A figura, o tempo e a memória são eixos dessa edição da mostra. "É um olhar mais cuidadoso, não somente de reconhecer que existe uma profusão de imagens, mas também discutir o que podemos fazer com elas", afirma.

    11ª MOSTRA MUNDO ÁRABE DE CINEMA
    QUANDO de 10 a 28 de agosto
    ONDE CCBB, CCSP, CineSesc
    QUANTO de grátis a R$ 12
    PROGRAMAÇÃO no site da mostra

    Edição impressa

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