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    CRÍTICA

    Cronista faz reconstituição equilibrada do tenentismo

    OSCAR PILAGALLO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    15/08/2016 02h51

    O tenentismo tem sido um dos movimentos mais esquadrinhados da Primeira República (1889-1930). Tudo o que há de relevante sobre o fenômeno que eclodiu no início dos anos 1920 foi objeto de estudos que produziram uma síntese resistente ao tempo.

    Está estabelecida pela historiografia a natureza elusiva da ideologia dos tenentes. Os oficiais eram críticos da oligarquia, mas não tinham um programa consistente que norteasse o regime a ser instalado após sua derrubada.

    Combatiam os vícios eleitorais, defendiam o voto secreto e condenavam a carestia. Denunciavam a corrupção e faziam campanha pela liberdade de imprensa. Tinham um verniz nacionalista e entusiasmavam a classe média urbana emergente.

    Reprodução
    Tenentes da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922
    Tenentes da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922

    Jovens e românticos, no entanto, os tenentes não demonstravam a paciência exigida pelo jogo democrático e pretendiam intervir na vida pública usando o autoritarismo típico da caserna para impor reformas de cunho liberal.

    É esse voluntarismo que está por trás da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922, o marco inicial do tenentismo, replicado dois anos depois em São Paulo, que se transformou em praça de guerra, deixando um rastro de centenas de mortos.

    As lideranças formadas nesses episódios influenciariam a política brasileira, à esquerda e sobretudo à direita, por pelo menos meio século, tendo papel de destaque na Revolução de 30 e nas duas ditaduras, a do Estado Novo (1937-1945) e a militar (1964-1985).

    Embora não jogue luz nova sobre a história, "Tenentes - A Guerra Civil Brasileira", do jornalista Pedro Doria, aborda essas questões num resumo claro e equilibrado. Seu maior mérito é sacudir o pó da história e apresentar os fatos da perspectiva do cronista, gênero que já havia explorado em "1565 - Enquanto o Brasil Nascia", em que tratou da fundação do Rio.

    Em "Tenentes" a técnica é aprimorada e os detalhes da reconstituição histórica não apenas emolduram o quadro, mas auxiliam sua compreensão. Cidades bombardeadas, execuções à luz do dia, tanques nas ruas, trincheiras improvisadas, tudo isso compõe uma realidade tão surpreendente que o autor é levado a declarar que não há no livro "uma vírgula de ficção".

    Tenentes
    Pedro Doria
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    Os perfis em rápidas e eficientes pinceladas também ajudam a fixar a interpretação predominante do movimento. Seus heróis, como o futuro conservador Eduardo Gomes, sobrevivente da revolta de 1922, e o futuro comunista Luís Carlos Prestes, líder da célebre coluna nascida do tenentismo, são pintados, corretamente, como políticos com desapreço pela democracia.

    Doria também acerta ao dar a devida ênfase à armadilha em que caíram os tenentes. De um lado, queriam ampliar a democracia. De outro, legitimavam essa aspiração a partir da eliminação da fronteira entre o interesse nacional e o militar.

    Foi assim, conclui, "que a ideia de que seria legítimo apear governantes do poder se instalou no Exército".

    TENENTES - A GUERRA CIVIL BRASILEIRA
    AUTOR Pedro Doria
    EDITORA Record
    QUANTO R$ 42,90 (252 págs.)

    OSCAR PILAGALLO, jornalista, é autor de "Lua de Vinil" (Seguinte) e "História da Imprensa Paulista" (Três Estrelas).

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