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    Crítica

    Em belo ensaio, russo reflete sobre a glória e a ruína do Ocidente

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    18/08/2016 02h05

    O século 20, a Europa, os museus, a guerra: eis obsessões que ocupam regularmente os filmes de Aleksandr Sokurov. Elas se cruzam, eventualmente. Alemanha, Japão e Rússia (e URSS) já tinham sob objeto de seus trabalhos. Assim também o Hermitage, o mais célebre museu russo.

    Não a França. Talvez porque a Grande Guerra já seja um evento remoto, superado pela Segunda Guerra Mundial, em que a França fez o papelão que todos conhecemos.

    Mas o olhar de Sokurov detém-se pouco sobre o destino do governo títere do marechal Pétain ou dos franceses nesse período em "Francofonia: Louvre sob Ocupação". Sim, porque os alemães deram a maior atenção às obras do grande museu parisiense.

    Neste belo ensaio, em que a parte de subjetividade não é pequena, três personagens sobressaem: Jacques Jaujard, o conservador-chefe do Louvre naquele instante, e o conde Metternich, enviado por Hitler para se ocupar do assunto das artes na França. O terceiro é o narrador, Sokurov.

    Jaujard colabora com Metternich no levantamento do acervo. Não tinha muita alternativa, aliás. E Metternich colabora com Jaujard, o que era menos esperável. Em particular pelo estado-maior alemão, que queria botar as mãos nas preciosidades do Louvre.

    Esses eventos, por relevantes que sejam, não superam a importância do Louvre e de suas obras. Na visão de Sokurov a alma da França é o Louvre. Mais que Torre Eiffel, Balzac, nouvelle vague ou Sartre.

    Para o cineasta, o mundo existe para virar imagem. A história e a alma de um lugar encontra-se na pintura. Produzida, adquirida ou roubada. Daí entrarem em cena dois personagens adicionais: Napoleão e Marianne.

    A segunda entra na condição de irônico símbolo da Revolução Francesa que, afinal, produziu o Louvre. Napoleão chega como representante do universalismo revolucionário e também do colonialismo francês, o imperador que trouxe tantas esculturas da Antiguidade para o Louvre.

    Um outro viés do filme diz respeito ao transporte de obras de arte num navio, em mar bravio, com forte possibilidade de naufrágio: mais um atestado da preocupação de Sokurov com obras de arte.

    Assim como Géricault foi acusado de pintar a ruína da França, Sokurov reflete, não sem melancolia, sobre o destino de uma nação central na civilização do Ocidente e de que o Louvre encarna, ao mesmo tempo, glória e ruína, apogeu e decadência. Coisas que parecem secundárias ao russo: desde que o Louvre continue a existir, Marianne, Napoleão e tudo mais continuarão.

    FRANCOFONIA: LOUVRE SOB OCUPAÇÃO (Francofonia)
    DIREÇÃO Aleksandr Sokurov
    ELENCO Louis-Do de Lencquesaing, Benjamin Utzerath, Vincent Nemeth
    PRODUÇÃO França/Alemanha/Holanda, 2015, 18 anos
    QUANDO: Estreia nesta quinta (18)

    Edição impressa

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