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    Crítica

    Com 'Nós', Grupo Galpão reafirma jovialidade

    CAIO LIUDVIK
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    26/08/2016 02h06

    Um dos mais importantes grupos teatrais do país, o Galpão reafirma, completando 34 anos, sua jovialidade com a peça "Nós". Sem abrir mão das raízes no teatro popular e de rua, a trupe mineira se desafiou a um projeto mais "contemporâneo", tanto na linguagem cênica como na proposta de abordar de frente questões da atualidade, como democracia em tempos de intolerância, violência generalizada e crise da esquerda.

    É quase impossível não associar com o afastamento de Dilma Rousseff um dos momentos mais angustiantes do espetáculo, quando da expulsão de cena, à base de sopapos e pontapés, da personagem de Teuda Bara. O grupo nega que essa analogia seja intencional, até porque a concepção de "Nós", entre fins de 2015 e março deste ano, seria anterior ao impeachment. É verdade que a crise já estava no ar, mas a cena é "política" num sentido mais amplo.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Sao Paulo, SP, Brasil. Data 16-08-2016. Espetaculo Nos. Atores Teuda Bara (esq/microfone na mão), Chico Pelucio (camisa branca) Paulo André (manga comprida azul), Júlio Maciel (camiseta vermelha), Eduardo Moreira (de ponta cabeça), Antonio Edson (camisa azul/dir) e Lydia Del Picchia (vestido verde). Teatro Sesc Anchieta. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
    Da esquerda para a direita, os atores Teuda Bara, Chico Pelúcio, Paulo André, Júlio Maciel, Eduardo Moreira, Antonio Edson e Lydia Del Picchia em cena de 'Nós', nova montagem do Grupo Galpão

    Fala da ambiguidade de nossa dimensão coletiva, que pode ser espaço de festa, de confraternização, mas também de poder e exclusão. Teuda, 75, é a alma da peça, dando show de vitalidade e carisma, mas brinca em cena com a possível rejeição de alguém de sua idade pela família ou pelo mercado de trabalho.

    O diretor Marcio Abreu (convidado para este trabalho) pediu de cada ator uma espécie de manifesto em que falasse dos seus fantasmas, do mal-estar, de como se sentem numa realidade cravejada de "nós", num dos sentidos de amarras, impasses. Mas "nós" denota também pertencimento coletivo. As improvisações em que se baseia o texto foram alinhavadas pela ideia geral de uma refeição pública, uma "última sopa" (termo que parece brincar com a "last supper", Última Ceia em inglês), que os personagens, sem identidade definida, preparam ao longo da peça e partilham com a plateia.

    A ideia de comunhão é indicada já no início, com a entrada em cena de Teuda entoando os versos "comendo a mesma comida, bebendo a mesma bebida, respirando o mesmo ar", tomados do samba "Lama", antigo sucesso de Paulo Marques e Ailce Chaves.

    Cabe advertir ao espectador que ficar nas arquibancadas junto ao palco: será quase impossível não se banhar dos líquidos que os convivas espalham num dado momento do "diálogo" absurdo em torno de um menino negro e pobre vítima de violência policial.

    Outros temas mencionados são a tragédia de Mariana, o terrorismo fanático e a sensação de impotência perante essas avalanches.

    Mas não são conversas que evoluam rumo a conclusões claras. São mais uma sinfonia repetitiva de aforismos ou discursos da vida cotidiana, num clima que se alterna o festivo e melancólico.

    Outro destaque é o belíssimo arranjo polifônico para a "Balada do Lado sem Luz", de Gilberto Gil, outro momento que salienta a dimensão mais performática da peça.

    O Teatro do Sesc Consolação foi adaptado para permitir que parte da plateia pudesse ficar no palco, em assentos nas laterais. Cria-se um ambiente de arena que traduz o que há de mais visceralmente político em "Nós": mais que a denúncia panfletária, o convite a uma nova proximidade, o afeto desatador das amarras, o ritual de comer e comemorar junto (vide a "balada" em que o espetáculo termina), a quebra de barreiras, a começar das que separam público e atores.

    NÓS
    QUANDO qua. a sáb., às 21h, dom. e feriados, às 18h; até 11/9
    ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
    QUANTO R$ 12 a R$ 40
    CLASSIFICAÇÃO: 16 ANOS

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