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    Pinacoteca adere ao pop nacional em mostra com coleção de Roger Wright

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    27/08/2016 02h00

    Numa ponta da mostra, estão abstrações geométricas de Lygia Clark, Hélio Oiticica e Sergio Camargo. Na outra, o famoso porco empalhado de Nelson Leirner e um enorme retrato do caubói da Marlboro pintado por Geraldo de Barros. No meio de tudo, está toda a evolução do que a Pinacoteca entende por "Vanguarda Brasileira dos Anos 1960".

    Outros chamam essa fase da arte do país mergulhada na cultura de massa e na sociedade do consumo de nova figuração ou arte pop brasileira.

    Nomes à parte, essas obras-primas da coleção de Roger Wright, banqueiro que morreu num acidente de avião há sete anos, agora veem a luz do dia depois de fechado um acordo entre o museu e herdeiros do colecionador. E chegam em boa hora, na crista da onda de um movimento de revisão dessa época por museus do mundo todo.

    Uma obra de Rubens Gerchman, famoso por seu registro tecnicolor de um Rio suburbano, às voltas com a ditadura, acaba de voltar à Pinacoteca depois de rodar por várias cidades dos Estados Unidos na turnê da mostra "International Pop", uma das muitas nos últimos anos que tentam redefinir a estética pop como um fenômeno global.

    De fato, as cores estridentes e o uso da linguagem publicitária e dos quadrinhos na obra de nomes como Gerchman, Maurício Nogueira Lima, Claudio Tozzi, Marcello Nitsche, Raymundo Colares e outros artistas da mostra lembram o assalto aos olhos de americanos como Andy Warhol, Jasper Johns e Robert Rauschenberg.

    Mas à luz de clássicos da abstração do país, como Clark, Camargo e Oiticica, mesmo o mais pop dos pop brasileiros se torna um tanto construtivo, geométrico, o que dá outro verniz à narrativa de que em tempos de ditadura artistas recorreram à figuração intoxicados pela turma de Warhol.

    "Essa é a possibilidade de mostrar como a postura crítica da arte concreta e neoconcreta parece ter sido aproveitada pela geração seguinte", diz José Augusto Ribeiro, que organiza a mostra. "Eles fizeram trabalhos formados pela visualidade urbana, os meios de comunicação de massa, mas com um rigor construtivo na superfície, com a ideia de esquadrinhar o plano."

    Nesse sentido, uma das obras mais célebres de Wesley Duke Lee remontada agora na mostra pode ser vista como versão pop dos penetráveis de Oiticica. "Trapézio ou uma Confissão", instalação que ocupa grande parte de uma das salas, lembra um quarto suspenso. Suas paredes opõem silhuetas de um homem e de uma mulher recortadas em acrílico, sugerindo o encontro dos dois no meio do caminho, equilibrados sobre uma corda bamba.

    Mesmo mantendo certo geometrismo, Duke Lee depois virou influência pela fusão de linguagens de sua obra, entre o desenho erótico e o design publicitário, que ressurge nos trabalhos de Carlos Vergara e Luiz Paulo Baravelli na década de 1980.

    Divulgação
    Obra que esta na mostra 'Colecao Roger Wright', agora na Pinacoteca. Foto: Divulgacao
    Retrato do caubói da Malboro pintado sobre um outdoor por Geraldo de Barros em 1976

    TOMATES E ASTRONAUTAS

    Mas, na contramão das referências à herança concreta, um dos trabalhos mais surpreendentes da mostra é uma colagem de Mira Schendel, artista famosa pela austeridade de sua obra, com rótulos do extrato de tomate Gran Ragu Star, num aceno às míticas latas de sopa Campbell's das serigrafias de Warhol.

    "O ambiente era tão sufocado no Brasil que o interesse pela produção internacional era uma forma de abertura", diz Ribeiro. "Ainda era um meio artístico muito tímido, e deve ter ficado claustrofóbico debaixo da ditadura."

    Em seus retratos de astronautas, Claudio Tozzi faz uma alusão a essa vontade de fuga, só que mergulhada na inocência enganosa de cores berrantes e enquadramentos das histórias em quadrinhos.

    Encerra a mostra um trabalho que junta as duas pontas desse espectro que vai do pop ao político. No canto da última sala, estão as garrafas de Coca-Cola que Cildo Meireles fez circular com mensagens contra o regime militar.

    VANGUARDA BRASILEIRA DOS ANOS 1960
    QUANDO abre neste sábado (27), às 11h; de qua. a seg., das 10h às 17h30; até 26/8/2019
    ONDE Pinacoteca, pça. da Luz, 2, tel. (11) 3324-1000
    QUANTO R$ 6, grátis aos sábados

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