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    Crítica

    Variação de traços dá potência às tramas de 'O Mundo Segundo Jouralbo'

    ÉRICO ASSIS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    27/08/2016 02h08

    Jouralbo Sieber/Divulgaçã
    HQ do publicitário e desenhista Jouralbo Sieber, que será publicada no livro 'O Mundo Segundo Jouralbo Sieber' (título provisório), editado pelo filho, Allan CRÉDITO: Jouralbo Sieber/Divulgação
    Trecho de HQ de Jouralbo para 'O Mundo Segundo Jouralbo'

    Depois um tempo de convívio com o quadrinista Robert Crumb, o norte-americano Harvey Pekar (1939-2010) decidiu retratar sua própria vida em quadrinhos. Foi o que fez por mais de 30 anos na série "American Splendor". Ele contou desde momentos prosaicos, como ir ao supermercado e não encontrar o que queria, até o tratamento de seu linfoma.

    Pekar não desenhava. Entregou seus roteiros a dezenas de colaboradores para retratá-lo no nanquim. Os leitores conhecem a careca e os olhos projetados do Pekar-personagem em dezenas de traços.

    Em "O Mundo Segundo Jouralbo", a experiência é similar: somos apresentados a Jouralbo Sieber, um porto-alegrense real de 86 anos que foi convidado a colocar várias histórias destas décadas em HQ. E gostou do processo. Já é seu segundo álbum em quadrinhos –o primeiro, "Ninguém Me Convidou", saiu em 2010 e foi reeditado em 2015.

    O início do processo lembra outro clássico: para fazer "Maus", Art Spiegelman gravou conversas com o pai para contar as experiências deste como sobrevivente de campos de concentração. O filho de Jouralbo –Allan Sieber, quadrinista da Folha– começou a gravar conversas com o pai em 2005. Selecionou algumas histórias, decupou-as em HQs e passou para o pai desenhar.

    Pois Jouralbo, ao contrário de Pekar, desenha. Sua carreira profissional começou na lendária Livraria do Globo de fins dos anos 1940, como ilustrador, e passou pela publicidade e pela fotografia. Seu traço clássico era o único no primeiro álbum. Em "O Mundo Segundo", ele divide as páginas com mais de 40 estilos.

    As histórias, que vão de duas a sete páginas, tratam de um vazamento de água na sua casa, de lembranças com colegas de trabalho, o carinho por uma gata de rua, o fato de nem sempre ser simpático, a casa de veraneio e algumas experiências místicas ou supersticiosas –incluindo sua fixação nos múltiplos de sete.

    Mas o que dá potência às histórias é a variação extraordinária de traços. As histórias de Jouralbo passam por quadrinistas que, fora o roteiro, receberam apenas a instrução de desenhar a seu modo.

    É assim que estilos de cartum mais tradicionais (Fido Nesti, Bruno Schier, Gabriel Fazzioni) entram em contraste com linhas mais soltas (Rafael Campos Rocha, Cynthia B). Os estilos de narrativa também são pessoais: identifica-se imediatamente as HQs de Pedro Franz e Wagner Willian.

    Quando se chega às contribuições de Rafael Sica, Fabio Zimbres e, particularmente, Jaca, vê-se que não há limites de abstração a que os convidados podiam chegar. A equatoriana Powerpaola chega a transformar Jouralbo em seu próprio pai, muito parecido com a fisionomia que deu a este na autobiografia "Virus Tropical" (Nemo, 2015).

    É outra diferença em relação a Pekar: não são os quadrinistas que desenham uma história de Jouralbo, mas Jouralbo que entra no universo de cada quadrinista.

    Entremeando a pluralidade de traços, há várias páginas desenhadas pelo próprio octogenário. Assim participa desse momento em que vira personagem de tantos autores.

    O MUNDO SEGUNDO JOURALBO
    ORGANIZADORES Jouralbo Sieber, Allan Sieber e Cynthia B.
    EDITORA Mórula
    QUANTO: R$ 44 (276 PÁGS.)

    Edição impressa

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