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    Em estreia de turnê, Kanye West se apresenta em plataformas flutuantes

    JON CARAMANICA
    DO 'THE NEW YORK TIMES', EM INDIANÁPOLIS

    29/08/2016 12h10

    Karen Minasyan/AFP
    (FILES) This file photo taken on April 12, 2015 shows rapper Kanye West as he performs during his concert in Yerevan, Armenia. Rap superstar Kanye West, saying he felt a new freedom after admitting to personal debt, on February 24, 2016 announced his second album of the year.West earlier this month put out "The Life of Pablo," which broke the conventional album format by coming out via streaming with the artist fine-tuning the work even after its release. / AFP / KAREN MINASYAN ORG XMIT: MOW1265
    O rapper Kanye West em show na Armênia, em 2015

    Em junho, surgiram rumores que Kanye West faria um show secreto no Webster Hall, de Nova York, depois do festival Hot 97's Summer Jam. Na madrugada, a rua estava repleta de jovens esperando pela oportunidade de ver seu herói. O show não aconteceu, mas em dado momento um carro passou pela rua e West colocou a cabeça para fora do teto solar. A multidão correu e o cercou; um ou dois minutos depois, o carro se foi, seguido por uma multidão de fãs Terceira Avenida acima.

    Foi uma bela expressão do fanatismo engendrado por um artista que usa o frenesi como pintura. E ofereceu uma inesperada antevisão da noite de abertura da turnê Saint Pablo, de West, que celebra "The Life of Pablo", seu álbum lançado em fevereiro, e estreou no Bankers Life Fieldhouse, em Indianápolis, na noite de quinta-feira (25).

    A apresentação foi como aquela cena de rua, amplificada e capturada em uma experiência consumível. Não havia um palco propriamente dito. West cantou o show inteiro em plataformas que flutuavam seis metros acima do piso da arena e disparavam raios de luz em todas as direções. As plataformas flutuavam lentamente por sobre a multidão, como uma espaçonave do Império disparando pelo espaço em "Star Wars". De um lado do salão havia uma grande tela na qual eram projetadas imagens distorcidas de câmeras que filmavam West de diversos ângulos, inclusive do teto.

    Por boa parte da noite, West cantou em uma pequena plataforma quadrada, ancorada por uma corda central que subia e passava por seu casaco enquanto a plataforma se inclinava em ângulos precários. Ele se movia em círculos e dançava na plataforma, usando a corda como apoio; às vezes ele se sentava na beira da plataforma e deixava as pernas penduradas, e em dado momento se deitou e estendeu a mão à multidão, como que oferecendo uma benção.

    Isso fazia com que West estivesse ao mesmo tempo improvavelmente perto da plateia e tentadoramente fora de alcance. Pelos primeiros 20 minutos ou pouco mais, os espectadores formaram um círculo em torno da plataforma enquanto ela percorria o salão de um lado a outro, contemplando West e filmando-o com seus celulares, enquanto ele cantava algumas das canções mais pesadas de seu catálogo: "All Day", "Famous", "Mercy", "Don't Like (remix)".

    Mas em seguida as pessoas perceberam que podiam usar o espaço banhado em luzes por sob a plataforma, e o piso se tornou uma festa escancarada, como uma rave em um armazém, ou como o momento em que as cervejas começam voar no mosh pit de um show hardcore. De cada lado do salão, alto-falantes disparavam linhas de baixo fisicamente pesadas, literalmente forçando os fãs a deixar as laterais da sala e a se agruparem no centro.

    É uma maneira minimalista e elaboradamente eficiente de fazer um show ao vivo: deixa West mais próximo das duas pontas da sala e também tanto dos espectadores que dançam sob a plataforma quanto das pessoas sentadas nos assentos mais baratos, no anel superior. Houve até um momentos de contato entre as pessoas de fora e o círculo interno de West –no meio dos espectadores que dançavam sob a plataforma, estavam alguns dos amigos do rapper e membros de sua equipe de criação: Virgil Abloh, Scooter Braun, Travis Scott, ASAP Bari.

    Para quem estava no piso, era possível escolher de que maneira experimentar o show –contemplar West lá em cima, dançar nas luzes por sob a plataforma, ou absorver a experiência toda assistindo das laterais. Não havia muita coisa que desviasse a atenção. West cantou acompanhado por instrumentos pré-gravados e com a ajuda ao vivo do cantor Tony Williams, do produtor e multi-instrumentista Mike Dean, e de Caroline Shaw, compositora e vocalista premiada com o Pulitzer, todos vestindo preto e ocupando um pequeno palco em um dos extremos do salão.

    A inovação de West em seu novo show é mais uma em um ano repleto de novidades. Drake, Beyoncé e Rihanna realizaram esforços deliberados em suas turnês para reduzir os espaços superdimensionados, como que reconsiderando a dinâmica de poder vinda de cima para baixo, nos espetáculos ao vivo em larga escala, para levar em conta a era de intimidade e de imediatismo da mídia social.

    Mas a estrutura não deixou de causar algumas complicações. Em duas ocasiões, West parou a música porque as pessoas sob a plataforma estavam agitadas demais. E ele passou boa parte da segunda metade do show em uma plataforma maior –usou um MPC para tocar o beat de "Runaway", falou aos espectadores e cantou algumas canções mais felizes, como "Good Life" e "All of the Lights" –mas se manteve perto do centro da plataforma, o que dificultava vê-lo de baixo.

    Em seus shows, West muitas vezes usa discursos como uma maneira de reduzir o espaço que o separa da audiência, mas o dinamismo físico do novo espetáculo executava essa missão para ele, e por isso não houve longas falas. Ele abriu um segmento dizendo que "agora que tenho filhos, minha perspectiva mudou", antes de agradecer o presidente-executivo da Nike, uma empresa com a qual seu relacionamento foi conturbado no passado, e também a Adidas, sua atual parceira nos calçados. Ele reforçou sua insistência em que a arte e comércio deveriam aprender a conviver bem. "Sonhos são possíveis", ele disse, mas admitiu que "cada dia é uma batalha".

    O show já durava quase duas horas, àquela altura, e a energia da plateia já havia chegado ao pico e passado dele. As luzes ganharam força e West se tornou mais contemplativo, cantando trechos de "30 Hours" e "Real Friends", algumas das faixas menos ruidosas de "The Life of Pablo". Quando ele chegou a "Only One", de 2014 –cantada da perspectiva de sua mãe, morta em 2007–, a sala estava quase silenciosa.

    E West então voltou a jogar com as relações espaciais –não entre ele e a plateia, mas entre ele e o desconhecido, quando uma luz vermelha e circular desceu e o envolveu como um portal para o paraíso. Então vieram trechinhos de coral gospel, em "Ultralight Beam", pontuando a música com uma fé dilacerante, seguidos pela pulsação revigorante de "Fade", um banho de vocais ambientes e sintetizadores. Quando as luzes se acenderam, West havia desaparecido na neblina.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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