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    Crítica

    Em tempos de intolerância, Cid Benjamin se vale de argumentos

    DANIEL AARÃO REIS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    03/09/2016 02h09

    Quem se rebela, diz o dicionário, não acata ordem ou disciplina, não se submete. Os textos rebeldes de Cid Benjamin podem ser resumidos numa palavra: insubmissão.

    Insubmissão à Ordem vigente, com a denúncia sem concessões às lacunas de nossa democracia "realmente existente": os privilégios e as injustiças, a sociedade de classes, a violência policial, o descontrole das instituições, inclusive do poder judiciário, a corrupção em larga escala, as formas elitistas de enfrentar a crise econômica.

    Daniel Marenco/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 11-03-2013, 17h00: Retrato do jornalista e ex-guerrilheiro Cid Benjamin para o projeto "Tudo sobre o golpe de 1964". (Foto: Daniel Marenco/Folhapress, PODER)
    O jornalista e ex-guerrilheiro Cid Benjamin, que lança livro com crônicas

    Oposição também às políticas formuladas pelos governos petistas, às suas opções e critérios, ao seu "reformismo fraco" (André Singer), que, apesar de aspectos positivos, inegáveis, derivou na conciliação, na despolitização para terminar no melancólico "estelionato eleitoral" de Dilma Roussef em 2014.

    Insubordinação ainda a certas tradições de esquerda, corporativistas, como as greves nos serviços públicos, que penalizam mais as classes populares do que incomodam os homens do poder. Ou a determinadas formulações aparentemente radicais mas que só contribuem para isolar as esquerdas da sociedade.

    A rebeldia destes escritos, porém, não tem nada que se assemelhe a uma "metralhadora giratória", atirando para todos os lados e a esmo, mesmo porque, como adverte o autor, citando Sêneca: "Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável".

    Mas como definir uma rota e um porto nestes tempos sombrios?

    Em quase 60 crônicas, a grande maioria publicadas a partir de 2014 em jornais e mídias sociais, Cid Benjamin tateia caminhos e esboça objetivos, ora em textos diretamente vinculados a conjunturas políticas precisas –e curtas; ora contemplando questões mais gerais –e permanentes, embora sempre ligadas à necessidade de travar o "bom combate" imposto pelos desafios da hora.

    Trata-se de aprender com as experiências brasileiras (os erros do PT e de nossas esquerdas) e internacionais (Pepe Mujica e Podemos).

    A este respeito, não há receitas prontas e acabadas, mas o autor não não hesita em se expor e a defender pontos de vista claros, assumindo posições e tomando partidos, diante das questões candentes de cada momento político. Entretanto, em marcante contraste com os atuais tempos de intolerância, o faz, ponto forte do livro, evitando desqualificar, sempre argumentando, com linguagem propositiva, persuasiva, à maneira dos antigos: fortiter in re, suaviter in modo (firme na ação, suave na maneira).

    E ainda tenta abrandar o choque, recorrendo, aqui e ali, a uma leve ironia ou à invocação de poetas e músicos para encorajar os ânimos a desejar utopias, pois como recomendava Mario Quintana, citado pelo autor, "tristes os caminhos se não fora/a presença distante das estrelas".

    DANIEL AARÃO REIS é professor de história contemporânea da UFF

    REFLEXÕES REBELDES
    AUTOR Cid Benjamin
    EDITORA José Olympio
    QUANTO: R$ 39,90 (238 págs.)

    Edição impressa

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