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    Tom Ford faz críticas às pressões sociais em 'Nocturnal Animals'

    BRUNO GHETTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM VENEZA

    03/09/2016 02h05

    Já nas primeiras imagens, "Nocturnal Animals" (animais noturnos) diz a que veio. O filme que Tom Ford mostrou em Veneza na sexta (2) começa com mulheres nuas, obesas e de meia-idade, pulando e dançando sorridentes, como animadoras de torcida.

    Algo inusitado se pensarmos que veio da mente de quem já foi um dos grandes nomes da moda (Ford foi estilista de grifes como a Gucci), terreno onde só os esbeltos, os jovens e o "carão" têm valor.

    Merrick Morton/Universal Pictures International
    _DSC1898_R (ctr l-r.) Academy Award nominees Jake Gyllenhaal and Michael Shannon star as Tony Hastings and Bobby Andes in writer/director Tom Fordâ€s romantic thriller NOCTURNAL ANIMALS, a Universal Pictures International release. Credit: Merrick Morton/Universal Pictures International ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Franco Vega (esq.), Jake Gyllenhaal (centro) e Michael Shannon em cena de 'Nocturnal Animals'

    Claro: é uma grande provocação de Ford, mas não só ao mundo fashion: seu alvo é toda uma sociedade cheia de regras. "Quis mostrar mulheres exageradas, envelhecendo, como é a sociedade americana. Mas me apaixonei, vendo-as tão belas, livres", disse Ford, em entrevista à imprensa. "Quis dizer que as pessoas devem largar o que esperam que elas sejam e serem o que de fato são".

    Eis o drama de Susan (Amy Adams), dona de uma galeria de arte que não gosta de própria vida. Tem um namoro frustrado e não vê sentido em seu trabalho e no meio frívolo que a cerca. "Mas ninguém gosta mesmo do que faz!", lhe diz um amigo gay do mundo das artes/moda. "Aproveite o absurdo do nosso mundo. É bem menos doloroso que o real."

    É por supor como o "mundo real" pode doer que Susan optou pela proteção da bolha artístico-burguesa que a rodeia. De família texana conservadora, ela já foi idealista, mas cedeu aos apelos de uma vida confortável. O que causou, aliás, o fim de seu primeiro casamento, com o então aspirante a escritor Tony (Jake Gyllenhaal), que ela julgava sem ambição.

    O filme se passa anos depois, quando o rapaz lhe dedica um romance sobre um caso de morte e estupro na estrada. Na busca pelos culpados, o protagonista da trama passa por instantes em que sua real essência será testada.

    "Nocturnal Animals" tem uma narrativa arrojada, com idas e vindas temporais, intercalando presente, passado e um plano fictício (o do romance de Tony).

    Os trechos na estrada têm toques absurdos de um David Lynch, mas as cenas de "ennui" da Susan atual têm uma textura tão especial que é de se lamentar que o filme não fique mais nelas. E Adams, ótima atriz, está especialmente magnética. O filme traz ainda uma divertida ponta de Laura Linney e uma composição inspirada em Michael Shannon.

    Ford não filmava havia sete anos, desde que estreou no elogiado "Direito de Amar". Aqui, mostra talento para as imagens sofisticadas e barrocas. "Mas para mim o estilo tem que vir junto com alguma substância. Se não, não me interessa", disse Ford. E seu filme tem, sim, tal substância: é uma arma apontada contra a vacuidade do mundo da alta burguesia artística e contra o reacionarismo, de modo geral. Foi aplaudido, mas sem muito entusiasmo.

    CHILENO

    Bem mais simples em estilo é o primeiro longa latino da competição. O chileno "El Cristo Ciego", do estreante Christopher Murray, mostra um rapaz que crê ter poderes de cura, fazendo pregações de aldeia em aldeia no Chile. Na infância, teve uma epifania ao se curar de um machucado e acha que tem o dom de fazer o mesmo pelos outros. Sai descalço pelo deserto como um Cristo chileno. Muda os locais por onde passa, mas antes por sua humanidade que por um eventual dom divino.

    O diretor do festival, Alberto Barbera, disse que o filme era sua grande aposta. Poucos parecem ter concordado –teve recepção morna. Mas Murray, embora não domine por completo seu filme, é um nome a ser observado.

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