• Ilustrada

    Friday, 03-May-2024 11:10:24 -03

    Crítica

    Guerra Civil Espanhola é pano de fundo para 'Hotel Florida'

    LEÃO SERVA
    COLUNISTA DA FOLHA

    10/09/2016 02h16

    "Hotel Florida", no centro de Madri, era o abrigo de intelectuais, pilotos, diplomatas e jornalistas estrangeiros que chegavam à capital espanhola durante a Guerra Civil (1936-1939) entre as forças que apoiavam o governo republicano, dominado pelos comunistas, e o Exército rebelado, que unia monarquistas e fascistas.

    O prédio é o ponto de cruzamento das trajetórias de três casais que a escritora Amanda Vaill elegeu como fios condutores da reconstituição do conflito, sempre considerado o ensaio geral para a Segunda Guerra Mundial (1939-45).

    Os três casais são compostos pelos fotógrafos Gerda Taro e Robert Capa, pelos escritores Martha Gellhorn e Ernest Hemingway e pelos secretários de imprensa (censores) do governo esquerdista, Ilsa Kulcsar e Arturo Barea, este menos conhecido no Brasil mas que se tornaria um importante autor de memórias do período, a partir do exílio na Inglaterra, em 1940.

    O livro segue a cronologia do conflito, com capítulos curtos datados, do início, em julho de 1936, quando o comando do Exército tenta um golpe de Estado e, apesar do fracasso, não recua; até março de 1939, quando a última resistência republicana se esgota na região de Barcelona e centenas de milhares de espanhóis atravessam a fronteira com a França, em busca de proteção contra a brutalidade da ditadura imposta pelo general Francisco Franco. Nos anos seguintes a repressão do regime eliminaria outros milhares de opositores que não tinham conseguido asilo no exterior.

    A imagem consolidada da Guerra Civil Espanhola foi a de um conflito épico entre o bem e o mal, um maniqueísmo perfeito, onde um desarmado governo de esquerda eleito pelo povo conseguiu resistir por três anos ao levante de um exército fascista, bem treinado e coeso, com apoio dos regimes totalitários da Alemanha e da Itália.

    A imagem, já na época, atraiu milhares de voluntários estrangeiros a combaterem ao lado dos republicanos e ajudou o governo eleito a resistir. Em seguida veio o apoio massivo da União Soviética e a guerra durou três anos.

    No final do conflito, a sorte da Espanha foi decidida com base no xadrez europeu: à medida que Stálin construía seu entendimento com Hitler para dividir a Polônia (1939, o que deu início à Segunda Guerra Mundial), não fazia mais sentido estratégico para os russos enfrentar os novos aliados alemães em uma guerra perdida. De repente, as armas e munições soviéticas deixaram de chegar e a resistência republicana acabou.

    PANO DE FUNDO

    Mas essa história é só um pano de fundo para a excitante narrativa de "Hotel Florida", cujos protagonistas são os seis personagens, tecendo seus romances no enredo dos eventos políticos daquele cenário conturbado.

    É assim com Capa e Gerda Taro, que mal tinham se juntado quando passaram a cobrir o conflito e ali vivem o início do sucesso profissional e o ápice da paixão, até que o destino, frequentemente cruel com os fotógrafos de guerra, rouba a vida dela.

    O livro faz uma dramática e minuciosa descrição do acidente, quando o carro em que ela viajava (de carona, do lado de fora, de pé sobre o estribo) é abalroado por um tanque de guerra, durante a cobertura da batalha de Brunete (uma derrota republicana na periferia de Madri, ainda em 1937). Por ironia trágica, a fotógrafa estava indo embora depois de fazer sua última cobertura antes de embarcar de volta para a França, onde iniciaria uma viagem à China, para cobrir com Capa, a invasão do país pelo Exército japonês.

    É bem contada também a história do encontro, casamento e separação de Hemingway e Martha Gellhorn. Como no caso de Capa e Taro, a Espanha é o território de seu romance, onde Hemingway assume o relacionamento com aquela que seria sua terceira mulher, pondo fim ao casamento com Pauline Pfeiffer; mas tão logo a guerra civil acaba, o escritor já se dirige para outros territórios e o quarto casamento, com Maria Welsh.

    O autor de "Por Quem os Sinos Dobram", e a escritora de "A Face da Guerra", não conseguiam dividir as luzes do sucesso. Hemingway se matou em 1961, em um surto de depressão; Martha Gellhorn também encerrou sua vida, em 1998, sem nunca mais falar do casamento: dizia, com ódio explícito, que não queria ser uma nota de rodapé na biografia do ex-marido.

    Foi uma feliz coincidência que juntou o lançamento de "Hotel Florida" pela Objetiva com a chegada ao Brasil da exposição das fotografias da chamada "Valise Mexicana", na Caixa Cultural São Paulo, o que permite aos seus espectadores uma dupla fruição: ler o livro e ver as fotos.

    Hotel Florida
    Amanda Vaill
    l
    Comprar

    Muitas das cenas narradas no livro de Amanda Vaill estão retratadas nas fotos de Gerda Taro, Robert Capa e David Chim Seymour, em cartaz. Inclusive Hemingway e outros jornalistas que aparecem no livro convivendo com o casal Capa-Taro estão retratados em várias das fotografias do arquivo ressurgido em 2007 (depois de quase 70 anos sumido).

    Hotel Florida
    AUTORA Amanda Vaill
    TRADUÇÃO Ivo Korytowski
    EDITORA Objetiva
    QUANTO: R$ 69,90 (512 págs.)

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024