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    CRÍTICA

    Marina Lima expõe traumas e ressurge deslumbrante em SP

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    20/09/2016 02h30

    Marina Lima, depois de um tempo sem subir aos palcos e de reconhecer que já não é mais a "esfinge cool e suingante" do auge de sua fama há três décadas, disse que "voz por voz não interessa", que "tem gente que tem uma voz linda e não diz nada".

    A sua, no caso, já foi mesmo estonteante, um timbre metálico, glacial que falava de coisas quentes, do verão e do mar. Depois aquilo se quebrou, afinou, virou um nada ou caco frágil do que era. Teria sido um erro médico durante a remoção de um calo nas cordas vocais ou mesmo o estrago de uma depressão.

    Não importa. No palco do Cine Joia, no último fim de semana, Marina brilhou. Não é que tenha voltado no tempo, mas estava firme em cena como não se via há anos. Mesmo a voz, que costuma sumir lá pela metade dos versos, aguentou o tranco de todos os seus clássicos, de "À Francesa" a "Fullgás", passando por "Eu Não Sei Dançar".

    Gui Simi/Divulgação
    Marina Lima em show com a banda Strobo, no Cine Joia. Foto: Gui Simi/Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Marina Lima em show com a banda Strobo no Cine Joia, em São Paulo

    Esta última, aliás, levou fãs ao delírio. Ela pode não saber dançar, mas incendiou o palco e arrancou gritos e lágrimas daqueles que esperavam ouvir sobre paixões explodindo e sua manjada "solidão com vista para o mar".

    Mas Marina não estava sozinha. Ela cantou durante a festa Pardieiro, projeto focado em música brasileira do DJ Leandro Pardí, acompanhada da banda Strobo, de Belém, com arranjos cheios de graves para suas canções.

    E dançou muito. Tirou um casacão mais comportado para revelar um corpo enxuto, exuberante debaixo de um body preto transparente – figurino de Isadora Gallas.

    Também quebrou o tom nostálgico e saudosista que vinha marcando seus shows e arriscou um protesto político. Em "Pra Começar", cantarolou "se o Cunha caiu, que o Temer caia", mas sem excessos, tudo naquela frieza calculada que virou quase uma marca.

    Nessa música em que pergunta "quem vai colar os tais caquinhos do velho mundo", Marina esbarrou num tom quase autobiográfico. Talvez estivesse falando dela mesma, uma estrela que amargou uma série de perrengues e agora parece renascer com uma potência renovada, não artificial.

    Ela cantava ali para uma plateia rarefeita, de fãs mesmo. Talvez por isso estivesse entregue, quase nua no palco, tomando seus goles de vinho de uma taça equilibrada sobre uma das caixas de som.

    No fundo, Marina juntou seus caquinhos e se exibiu reconstruída, à vontade com o passado, mas pronta para se arriscar num futuro incerto. Na poderosa "Vingativa", música que fez com os garotos do Strobo, ela empresta vocais de seda a uma composição estridente, com o clima dos inferninhos que abraçaram as festas nômades que dominam a noite da cidade.

    Mas, antes de deixar o palco, ela não deixou ninguém esquecer quem foi –ou melhor, quem voltou a ser– Marina. Ela emendou "À Francesa" e "Fullgás", canções ali revistas à luz estroboscópica da banda de Belém, algo cortante, mais robusto, mas sem deixar aquele seu langor de lado.

    MARINA LIMA + STROBO

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