• Ilustrada

    Friday, 03-May-2024 16:13:39 -03

    Oscar não é o foco da política nacional de audiovisual, diz diretor da Ancine

    GABRIELA SÁ PESSOA
    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    21/09/2016 02h04

    Manoel Rangel está a oito meses de aposentar o broche da Ancine (Agência Nacional do Cinema) que prende à lapela de seu paletó. Diretor-presidente em 10 dos 15 anos de existência do órgão, ele diz não ter pretensões de ficar após o fim de seu terceiro mandato, em maio de 2017.

    "Não tenho disposição para seguir na agência. Cumpri as tarefas que me delegaram", diz Rangel, que afirma não ter "a menor ideia" do que fará findo seu mandato.
    O atual secretário do Audiovisual e criador do festival de cinema Cine PE, Alfredo Bertini, e a secretária-executiva do Ministério da Cultura, Mariana Ribas, são nomes cotados para sucedê-lo.

    Último representante da esquerda no audiovisual – ele integra a diretoria do PC do B -, Rangel falou à Folha sobre questões que marcaram o exercício da agência recentemente – como a tentativa das operadores de telefonia de obterem isenção do recolhimento da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), principal fonte do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

    Principalmente, porém, falou das principais discussões em curso na agência. As preocupações da Ancine, diz, passam longe de questões como a indicação do filme brasileiro que tentará uma vaga no Oscar e priorizam mecanismos ligados ao mercado interno, como a regulamentação dos vídeos sob demanda (VOD) e o controle de bilheterias.

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 15-09-2016, 16h30: Entrevista com o diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel, no escritorio da Ancine, em Sao Paulo. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO***
    Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, na sede paulistana do órgão

    *

    Embate com as operadoras de telefonia
    Foi um contratempo. Estamos muito seguros sobre o tema: o FSA [Fundo Setorial do Audiovisual] tem raízes sólidas. Há uma longa jurisprudência no julgamento da Condecine [Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional]. Estamos há dois, três anos com o país vivendo um ambiente de crise econômica, crise política. Mas a economia do audiovisual não apenas mantém-se em plena atividade como segue crescendo. No ano passado, crescemos em 10% o tamanho do parque exibidor. Nesse ano, já crescemos em 10% o número de ingressos vendidos em relação ao ano passado.

    Ancine no governo Temer
    Não houve contingenciamento [além do previsto] e mantivemos o plano de investimentos. Aqui as coisas seguem dentro da normalidade. O setor audiovisual se comporta agora como uma ilha de crescimento, mesmo em um ambiente de instabilidade no país e crise econômica. Atribuo isso a sua solidez institucional. Tivemos participação de todos os partidos na construção da agência.

    Posições políticas
    Minhas opções políticas nunca influenciaram na produção da Ancine. O critério pelo qual se deve julgar são os resultados. A política pública de audiovisual tem resultados de sobra para apresentar. O ministro da Cultura tem dedicado à Ancine um trato republicano.
    Na qualidade de presidente da Ancine, também entendi que era meu dever institucional recolher minhas convicções políticas pessoais no exercício de presidente da agência. Houve um momento que teve um debate intenso na sociedade brasileira sobre qual seria o desfecho dado a crise política. Até o dia 17 de abril [data da votação do impeachment na Câmara], me senti no direito de participar do debate que o Brasil inteiro estava realizando e a partir desse dia eu deveria me concentrar e focar no desempenho das minhas funções institucionais.

    Sucessão
    Eu não teria nenhuma disposição de seguir na agência. Entendo que cumpri as tarefas que me delegaram. A Ancine atingiu um patamar de desempenho. A economia do audiovisual é limpa, potente, cresce ano após ano. Somos gestores frios, como em outras repartições públicas. Sabemos gerir essa complexidade e tendo talentos dentro da agência, temos um corpo de servidores extremamente qualificados. Nisso repousa nossas perspectiva de bom funcionamento e desempenho.

    Bilheteria concentrada nas mãos de poucos filmes
    Receio que a Ancine não tenha a capacidade de mudar o panorama. Isso não é uma realidade só do mercado brasileiro, mas do argentino, do mexicano, francês etc., porque houve uma reconfiguração do mercado de sala de cinema, que criou a situação de que o cinema é um programa de lazer: não se vai para ver o filme A, B, C. As pessoas vão ver o que há, o que combina com a hora etc. O evento é que domina. O que faz com que o "box office" dos mercados de cinema no mundo tudo tenha poucos filmes em cima, responsáveis por 80% ou 90% de todo o público de cinema no mundo.

    Sistema de controle de bilheterias
    Ele começou a operar em agosto. Estamos recolhendo informações dia após dia, com todos os exibidores, em fase de implantação. Isso vai nos dar o retrato geral, sessão por sessão, de todos os filmes e salas de cinema do Brasil. No final de 2017, a Ancine terá o mais extraordinário sistema de acompanhamento e monitoramento de sala de cinemas no Brasil. Porque todos entregarão informações e teremos as informações no dia seguinte. A gente vai poder destrinchar aspectos que até hoje passam meio batidos. No final do ano chegam os primeiros dados públicos.

    Ingressos comprados x filmes efetivamente vistos
    Não é uma questão à qual a Ancine vai se dedicar, não é uma questão à qual o controle de bilheteria vai se dedicar. Serão sempre infinitamente menores essas ocorrências do que os efeitos gerais positivos de acesso das pessoas. No Brasil temos gerações de brasileiros que nunca foram ao cinema. Isso porque houve uma destruição em massa no cinema no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Eu comemoro o efeito de um único homem ou de uma única mulher que nunca foi ao cinema e que vai.

    Custos de operação do sistema
    Não sei dizer o valor exato, mas não é alto, tanto que temos a capacidade de fazer. Não é caro e nem onera o exibidor. Porque o exibidor já tem o controle de bilheteria. A gente extrai do sistema de bilheteria, sala a sala. Os exibidores nos remetem.

    Polêmica do Oscar

    Foi montada uma comissão segundo a capacidade, avaliação e critérios do secretário do Audiovisual. Essa comissão recebeu um conjunto de filmes para assistir, se reuniu e tomou a decisão de escolher um filme. Precisamos agora que esse filme ["Pequeno Segredo"] faça uma extraordinária campanha no mercado americano. Todos os outros filmes brasileiros que ali estavam eram aptos a serem escolhidos, inclusive outros que não se inscreveram.

    Para nossa felicidade o processo de valorização de um filme e de circulação de um filme não depende do Oscar. O Oscar não é o nosso destino e nem o nosso foco, não é o objetivo da política nacional de cinema e audiovisual. O objetivo é produzir muitos filmes brasileiros com muitos olhares, sotaques diferentes, com pluralidade de ideias, gerações e visões de mundo, com muita diversidade e que tudo isso chegue nas telas, todas as telas. O foco é o mercado brasileiro.

    "Aquarius" foi fenomenal em Cannes, Sonia Braga é um patrimônio da cultura brasileira e o filme foi vendido para vários países. O cinema brasileiro retomou seu prestígio internacional. É natural que se formem torcidas, que as pessoas digam que acha que tem que ser por aqui ou por ali. Decisão tomada, vamos embora.

    Expansão da TV Paga
    [A cobertura atual] É de 35 a 40% dos domicílios com televisão do Brasil. Houve no país forte distribuição de renda, com incorporação de milhões de brasileiros na classe C. E isso beneficiou toda a política audiovisual. Para voltar a perseguir a meta de ter pelo menos 50% dos domicílios com assinatura de TV paga é preciso haver uma reanimação da economia, é preciso seguir removendo obstáculos regulatórios no ambiente das telecomunicações.

    Regulamentação dos vídeos sob demanda
    Temos um bom domínio do arranjo internacional e das melhores práticas regulatórias. A Europa está na segunda onda regulatória do serviço de vídeo sob demanda (VOD). O que construímos aqui está em linha com que eles estão fazendo nessa segunda onda regulatória, corrigindo erros da primeira. A gente optou por esperar maturar um pouco mais o serviço para depois construir o arranjo regulatório. Vamos publicar neste ano uma notícia regulatória sobre o serviço de VOD, colocaremos em consulta pública como entendemos que deve se dar o processo regulatório do VOD.

    Existe consenso sobre assegurar igualdade entre empresas estrangeiras e brasileiras, para garantir a presença das brasileiras e do conteúdo brasileiro neste mercado, para gerar empregos e riquezas no Brasil, para estabelecer solidariedade dos provedores de VOD com o desenvolvimento da indústria audiovisual brasileiro e a visibilidade do conteúdo brasileiro. Onde está a divergência? Na dosagem. Nosso trabalho é sempre superar primeiro a fase do "ninguém quer a regulação" e entrar na segunda fase, de "qual é a dose?".

    Reforma no tributo sobre VOD
    Já existe uma contribuição que incide sobre filmes por demanda. Na forma como é, acaba sendo limitador na formação de grandes catálogos. Estamos propondo reformar o tributo, remover o obstáculo ao desenvolvimento do VOD: sair de uma contribuição fixa para uma percentual. [O valor] não está definido, vai depender do debate a ser travado.

    Encarecimento do serviço com a reforma no tributo

    Eu não acredito. Empresas que pagam a Condecine vão deixar de pagar a Condecine que a obriga a fazer um catálogo menor, e vão passar a pagar a Condecine que permite a elas fazer um catálogo maior sem mudar os patamares de contribuição porque ninguém tem a preocupação arrecadatória.

    Futuro do VOD

    O serviço de VOD é a fronteira de expansão de serviços audiovisuais. Hoje ele é um serviço concorrente e amanhã sua tendência é ser predominante. Todo mundo está vendo que a estrada de desenvolvimento do audiovisual caminha por aí. É por isso que é imperativo fornecer estabilidade jurídica aos agentes econômicos.

    Papel das agências reguladoras

    O debate que está em curso é muito simples: as agências reguladoras estão sendo reforçadas em sua capacidade de operação, regulação e estímulos de desenvolvimento. As agências de infraestrutura administram concessões públicas. A Ancine não administra concessões públicas. Essa discussão sobre concessão diz respeito exclusivamente as agências de infraestrutura.

    Vida pós-Ancine

    Não faço a menor ideia [do que farei depois], meu foco é a Ancine, daqui até maio do ano que vem. Mas certamente há dezenas de coisas pra fazer quando se deixa a Ancine, ir mais ao cinema, ao teatro, a shows, ler muito, conviver muito com a família e amigos. Até porque eu tenho uma quarentena para cumprir depois que eu sair da agência.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024