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    CRÍTICA

    Série 'Westworld' sofre ao espremer premissas em estreia

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    27/09/2016 02h17

    Eis uma bela ideia: retomar o formidável "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", que Michael Crichton escreveu e dirigiu em 1973, em formato de série para TV.

    Crichton é um mestre da ficção científica que tem no centro de sua obra as distopias genéticas.

    Para ficar na mais famosa, "Parque dos Dinossauros" trata de cientistas que dão vida a seres pré-históricos e criam um parque, mas em dado momento as criaturas fogem ao controle da ciência.

    Em "Westworld", a experiência é similar: aqui o Velho Oeste é reconstituído na forma de um parque em que pessoas passam dias agradáveis, interagindo com robôs que imitam com perfeição quase absurda a vida humana.

    Sua característica mais marcante consiste na inteligência artificial mais desenvolvida do que no original. É dessa inteligência, aliás, que nascerá o descontrole.

    A série criada por Jonathan Nolan traz em sua proposta algumas modificações importantes. A primeira, quase consequência da distância no tempo em relação ao filme, diz respeito ao realismo dos robôs: desde a primeira cena de chegada de visitantes ao parque, eles misturam-se aos humanos, e o espectador não pode distinguir quem é quem.

    A segunda mudança implica um "parti pris" importante: os robôs desta vez são entes dotados de "alma", algo que vem, aparentemente, do fato de sonho e realidade serem indistinguíveis para eles (mas também para os visitantes do parque, envolvidos em uma realidade virtual em que desde o início pressentimos que o virtual pode perfeitamente invadir o mundo real).

    A terceira diz respeito à introdução de um demiurgo, o cientista que dá vida a suas criaturas, na pessoa de Anthony Hopkins —que pouco aparece no primeiro episódio, mas que ganhará mais presença: afinal é o primeiro nome do elenco.

    Como ficção, "Westworld" nutre-se essencialmente da criação original de Crichton, adaptada, é claro, a um novo contexto tecnológico, mas ali estão ecos evidentes do "Frankenstein" de Mary Shelley e da literatura fantástica latino-americana do século passado, em especial "A Invenção de Morel", de Bioy Casares. Ótimas referências, sem dúvida.

    Nem todos os pontos são positivos na formulação. Por exemplo, a existência de três parques temáticos no original (os outros eram Roma e Idade Média) deu origem a sequências memoráveis em que os parques eram invadidos pelos robôs: um caubói entrando em Roma e mandando bala era uma cena marcante.

    No mais, é difícil formar um juízo sobre uma série a partir de seu primeiro episódio. "Westworld" sofre da necessidade de espremer as suas premissas em um primeiro capítulo. Talvez venha daí a absoluta falta de humor.

    Novamente, talvez o que se imponha aqui seja a necessidade de lançar muitos elementos logo de cara.

    No entanto, pode-se pensar na recomendação de Vince Gilligan, criador de "Breaking Bad": nunca dar, em cada capítulo, mais do que o estritamente necessário para preservar a curiosidade do espectador. "Westworld" dá muito mais –a ponto de se tornar obscuro, ou confuso, em certos momentos.

    WESTWORLD
    Estreia no domingo (2/10)
    QUANDO 23H, na hbo

    Edição impressa

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