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    Akram Zaatari retrata Beirute a partir de histórias de amor entre homens

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    27/09/2016 02h42

    Divulgação
    Obra de Akram Zaatari agora em mostra no Galpão VB ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena de 'End of Time', filme do artista libanês Akram Zaatari

    Não fossem sempre entre homens e numa Beirute destroçada pela guerra, as histórias de amor na obra de Akram Zaatari talvez resvalassem no melodrama, casos de coração partido ou solidão.

    "Mas é solitude, e não solidão", ele explica. "Existem exercícios de convívio, só que, quando fechamos os olhos à noite para dormir, estamos sozinhos. E os pensamentos mais interessantes acontecem nessa hora. Enquanto a solidão tem carga negativa, a solitude pode ser algo criativo."

    Toda a obra desse artista libanês, que tem agora no Galpão VB sua primeira retrospectiva no país, parece, aliás, construída na solitude para retratar homens solitários, que tentam construir relações no fogo cruzado de uma sociedade ainda intolerante –só há dois anos um juiz no Líbano vetou o uso de um artigo no código penal sobre "atos sexuais contra a natureza" para condenar homossexuais.

    Num dos vídeos mais antigos da mostra, uma espécie de carta audiovisual, um homem relembra ao destinatário o dia em que correram pelas ruas de Beirute tentando escapar de balas perdidas.

    Seguiram um rapaz que vendia chicletes e pagaram para o garoto mastigar todos eles –o casal ali virava voyeur de um estranho ato, que começa como obrigação mediada pelo dinheiro e se torna prazer.

    Divulgação
    Obra de Akram Zaatari agora em mostra no Galpão VB ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    "Beirut Exploded Views", do mesmo artista, em sua exposição no Galpão VB

    Não existe desejo, amor ou vontade na obra de Zaatari sem fricção ou distanciamento. Seus personagens estão apartados do mundo, como se condenados a ver tudo numa vitrine resplandecente, um lado de lá ao mesmo tempo sedutor e enganoso.

    Uma obra mais recente mostra garotos confinados num estranho parque de Beirute usado pela prefeitura como terreno de testes de futuros prédios –empreiteiras ali constroem paredes em escala um para um de seus projetos.

    Esse labirinto de texturas e formas deslocadas, no caso, vira uma plataforma de observação para o resto de uma cidade tantas vezes destruída e reconstruída, onde os laços entre amantes são tão voláteis quanto sua arquitetura fajuta.

    "Sempre quis filmar nesse lugar", diz Zaatari. "Imaginei pessoas vindo para essa cidade fragmentada e tentando domar tudo isso, tornar habitável um lugar hostil."

    No fundo, esse e outros trabalhos do artista retratam o que ele chama de "embate do indivíduo com o mundo", a ideia de estar sozinho no meio de um furacão, o que leva sua obra para além do ativismo, ou um plano que, nas palavras dele, "só lembra o ativismo".

    Suas histórias de amor gay numa cidade que "não vive essa realidade" na verdade operam como metáfora de um estado de violência maior, em que a memória, muitas vezes frágil e distorcida, serve de tábua de salvação.

    Outro trabalho na mostra ataca de frente essa questão da lembrança ao mostrar o que parece ser um diálogo via redes sociais deslocado para uma máquina de escrever.

    Dois amantes tentam se reencontrar depois da separação, mas as falas aparecem como mensagem instantânea numa lauda mecânica, confundindo o que pode ser uma conversa real ou um roteiro de ficção obcecado pelo desejo.

    "Não sou um historiador que ignora o desejo, que se coloca para fora do quadro que está retratando", diz o artista. "Olho para mim mesmo antes de olhar para o mundo, e esse olhar é muito subjetivo. Não acho possível construir uma visão neutra das coisas."

    AKRAM ZAATARI
    QUANDO de ter. a sex., das 12h às 18h; sáb., 11h às 17h; até 3/12
    ONDE Galpão VB, av. Imperatriz Leopoldina, 1.150, tel. (11) 3645-0516
    QUANTO grátis

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