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    Fantasmas pessoais ditam segunda temporada de 'Magnífica 70'

    RODOLFO VIANA
    DE SÃO PAULO

    01/10/2016 23h42

    Aconteceu em 1973, mas Cláudio Torres nunca se esquece de quando seu pai chegou em casa e disse: "Quebramos". Fernando Torres havia investido Cr$ 3 milhões –algo em torno de R$ 2,5 milhões em valores atuais e corrigidos– na peça "Calabar", que acabara de ser interditado por militares na véspera da estreia. "Censura era conversa trivial da mesa de jantar da família", diz o cineasta.

    Naquela época, Cláudio era um menino de 10 anos que estava descobrindo o corpo feminino por meio de pornochanchadas –não dos filmes, mas dos pôsteres. "Minha relação era com os cartazes", lembra. "Minha cabeça imaginava cenas incríveis a partir dos desenhos de Benício [artista que criou imagens para mais de 300 longas]."

    Ditadura e pornochanchada voltaram a fazer parte da vida de Cláudio Torres há uns quatro anos, quando começou a trabalhar em "Magnífica 70", série lançada pela HBO em 2015, cuja segunda temporada começa no domingo (2).

    Ambientada na década de 1970, a primeira temporada acompanhou a história de Vicente (Marcos Winter), um funcionário do Departamento de Censura Pública Brasileira que passa a escrever filmes eróticos para uma produtora da Boca do Lixo, região de São Paulo considerada reduto do cinema independente naquele tempo.

    No meio-fio entre desejo e repressão, surgem os conflitos do censor e de Dora Dumar (Simone Spoladore), trambiqueira que se apaixona pelo cinema; Manolo (Adriano Garib), sujeito bruto que busca se livrar de um feitiço; Isabel (Maria Luiza Mendonça), mulher de Vicente que passou a vida sob o jugo do pai, o rígido general Souto (Paulo César Peréio).

    A segunda temporada se passa um ano e meio depois do fim da primeira, quando a produtora e seus sócios são coagidos a trabalhar para o regime militar por meio da Embrafilme, estatal que existiu até 1990.

    O desafio do grupo continua sendo driblar a repressão da ditadura –período que permanece vivo na lembrança do ator Marcos Winter.

    Ele lembra que, quando começou a fazer teatro, por volta de 1984 –no fim do período ditatorial–, "ainda tinha de buscar as velhinhas da censura em casa" para que pudessem julgar a moralidade das peças antes da estreia. "Eram umas duas ou três senhoras que trabalhavam na censura, e a gente tinha de fazer uma sessão só para elas. E torcer para que aprovassem."

    Mas além de se esquivar dos militares, cada personagem volta carregado de fantasmas particulares. "Eles estão cheios de culpa por suas ações", diz Winter. "O Vicente entra numa viagem solitária, beirando a esquizofrenia. A corda é esticada, esticada, esticada... Até arrebentar."

    "Os personagens colhem as consequências dos atos praticados na primeira temporada", afirma Torres. "Uma vez eu vi o Clint Eastwood dizer algo como 'só me interessa filmar consequências'. Acho que as séries vivem disso: consequências."

    *

    NA TV
    Magnífica 70
    Estreia da segunda temporada
    QUANDO dom. (2), às 22h, na HBO

    Edição impressa

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