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    ANÁLISE

    Nobel a Dylan elevou canção à condição de grande arte

    LUIS ANTONIO GIRON
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    13/10/2016 12h50

    O nome de Bob Dylan circulava há cinco anos nas bolsas de apostas para o Nobel de Literatura. Não é, portanto, uma surpresa total a Academia Sueca conceder o prêmio a um músico. No ano passado, o Nobel foi para as longas reportagens de uma jornalista que nunca escreveu ficção, a ucraniana Svetlana Alexiévitch. Depois de uma repórter, por que não um astro do rock? A tentação é iniciar uma campanha para o notável ficcionista americano Philip Roth ganhar um Grammy Awards.

    Não custa lembrar que o prêmio Nobel pode ser descrito como uma espécie de Oscar da Suécia —e, agora, um Grammy sueco. Um Grammy com maior respeitabilidade, obviamente. Desde o início da carreira, em 1963, quando eletrificou a folk music, Dylan colecionou 12 prêmios Grammy e foi nomeado para 24. Tem um Oscar e um Pulitzer. Um Nobel figura bem na coleção.

    Nestes tempos em que o mito do autor recluso ressuscita com Elena Ferrante —pseudônimo de uma (maravilhosa) autora italiana— persiste o boato de que Bob Dylan e o romancista Thomas Pynchon não passam da mesma pessoa. Aí tudo se explicaria. O nome de Pynchon figura entre os candidatos ao Nobel há décadas. De certo ângulo, examinados de perto, Pynchon traduz em prosa o que Dylan elabora em poesia: o espírito rebelde, crítico e contracultural dos anos 60.

    Seja o que e como for, com Dylan, o Nobel eleva a canção à condição de grande arte. Dylan é um "songwriter" —na falta de um termo melhor em português— ou, como dizem os italianos, um "cantautore", aquele tipo de profissional das artes que elabora canções. A canção é a mais velha combinação multimídia do mundo: compreende a junção de verso e melodia e só se realiza no instante em que é ouvida, num espetáculo ao vivo ou numa gravação. Nesse sentido, Dylan pertence a uma linhagem que remonta aos trovadores e menestréis medievais —François Villon, Chrétien de Troyes e Alfonso X— que compõem versos a partir de formas musicais fixas e, com eles, querem contar novidades, exaltar o amor e escarnecer os poderosos. Dylan somou o rock, o folk e a alta poesia. Não por outro motivo, o pseudônimo que Robert Allen Zimmerman adotou é uma homenagem ao poeta galês Dylan Thomas (1914-1953).

    No gênero literário da canção, poema e música são indissociáveis, embora a melodia pareça servir apenas para amplificar a potência dos versos. No caso de Dylan, a voz rouca e a pronúncia muitas vezes arrevezada acrescentam um terceiro termo à obra. O resultado é uma arte peculiar, na qual a mensagem verbal se apresenta misturada a ruídos e melodias tão belas como de fácil absorção. Não há como separar os versos longos e arrastados do resto, nem mesmo da interpretação ríspida do autor, com sua gaita e guitarra negligentes. Se jornalismo é literatura, canção também o é. Assim Bob Dylan se tornou o trovador mais consagrado da história.

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