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    Livro mostra que Confúcio foi mais que guru de autoajuda e moldou ideias

    RAUL JUSTE LORES
    DE SÃO PAULO

    22/10/2016 02h29

    Uma desordem política animou um intenso debate intelectual. Consternados com o caos em torno de si, pensadores criativos se lançaram à busca de soluções para os males que atormentavam a nação.

    Um deles conseguiu criar um verdadeiro guia sobre o que seria o bem da coletividade, uma sociedade harmoniosa e a existência humana.

    É a China de 2.500 anos atrás que o jornalista americano Michael Schuman descreve em "Confúcio e o Mundo que Ele Criou", recém-lançado pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

    No livro, ele explica como um homem que nasceu antes de Sócrates, Platão e Cristo conseguiu virar um improvável mix dos três para milhões de chineses e em boa parte do Extremo Oriente.

    "Confúcio criou um raro sistema filosófico com mais deveres que direitos, com papéis bem definidos do que cada um deveria ser, da generosidade e ética de imperadores e chefes à obediência dos mais jovens e súditos", diz à Folha Schuman, que há 20 anos vive na Ásia, os últimos cinco deles em Pequim.

    A obra tem a sábia vantagem, em comparação a outras publicadas recentemente na Europa e nos Estados Unidos, de se negar a usar o professor chinês como um guru de autoajuda.

    Divulgação
    Zhang Huan / Q-Confucio No.2 / instalação / silicone, Arame, Acrílico / 2011 Foto:Rockbund Art Museum/Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    'Q-Confucio No.2' (silicone, arame, acrílico, 2011), instalação do artista Zhang Huan

    AQUI E AGORA

    O livro mostra como Confúcio (551 a 479 a.C), ao contrário de outros líderes religiosos, tinha pouco interesse em falar da vida após a morte ou de temas espirituais. Suas reflexões e os questionamentos propostos a seus discípulos eram sobre o aqui e agora.

    A China vivia uma de suas periódicas turbulências com a desintegração da dinastia Zhou (1.046 a 256 a.C), que se arrastou por quase três séculos e rachou o país em diversos reinos e sub-reinos.

    Em vida, Confúcio, o político, tentou de todas as formas influenciar imperadores e duques e se tornar um candidato à eminência nos bastidores do poder.

    Seus fracassos sucessivos o levaram a se dedicar aos estudos e a cultivar discípulos, que disseminaram sua obra.

    Duzentos anos depois de morto, as sucessivas dinastias chinesas já adotavam seus ensinamentos, os "Analetos", como os Dez Mandamentos da China.

    Em pouco tempo, outra ideia confuciana –a de que que funcionários públicos fossem selecionados por concurso, por mérito intelectual, mais do que pelo sobrenome e pela rede de contatos– começou a ser aplicada muitos e muitos séculos antes de a meritocracia chegar ao Ocidente.

    Suas ideias foram sendo reinterpretadas e claramente distorcidas ao longo dos séculos. Quando os budistas começaram a ganhar adeptos na China, por exemplo, seguidores confucianos passam a dizer que o mestre defendia o "sentar-se quieto", a versão confuciana do budismo.

    Com base na leitura dos "Analetos", Schuman consegue discernir os ensinamentos originais das adaptações livres séculos depois.

    MERITOCRACIA

    O autor escreve que diversas fortalezas da região que mais cresce no mundo –e muitas de suas debilidades– são creditadas ao velho professor. "A importância do estudo, do esforço pessoal, a reverência aos mais velhos e a meritocracia são ideais confucianos."

    Sem fazer uma hagiografia do homem, que foi tratado como divindade por séculos após a sua morte –até com sacrifícios em templos dedicados a ele–, Schuman também mostra várias das ideias mais datadas de Confúcio, da sociedade feudal e machista em que viveu.

    Ele dedica um capítulo inteiro ao machismo de seus ensinamentos. "O confucionismo ensinou que o lugar da mulher é em casa, enquanto o domínio das atividades públicas e comerciais é do homem", escreve.

    A obra traz diversos números sobre a pequena presença feminina na política e em cargos privados de comando no Japão e na Coreia, além de entrevistas com várias especialistas sobre o tema.

    A extrema hierarquização dessas sociedades –nas quais a disciplina é mais estimulada que a inovação– também é debitada na conta do sábio.

    O país tornou-se um fracote militar no século 19, quando sofreu diversas invasões, do Reino Unido ao Japão, e Mao Tsé-tung tentou extirpar sua influência, atacando até seu conceito de família.

    "Durante sua vida, Confúcio estimulou que seus discípulos o questionassem. Vários imperadores e o Partido Comunista hoje preferiram reforçar a ideia de hierarquia sem discussão", diz o autor.

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    VIDA
    Nasceu em 551 a.C., em Qufu, cidade do leste chinês que ainda existe e é onde ele está enterrado. Teria tido vários trabalhos rurais antes de se tornar filósofo e conselheiro político

    OBRA
    Os 'Analetos', compilação de aforismos, reúnem as bases do que se tornaria o confucionismo. Segundo o autor Michael Schuman, 'o que sabemos sobre ele muito possivelmente foi redigido por outros'

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    TRECHOS

    Confúcio e o Mundo Que Ele Criou
    Michael Schuman
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    Quando certo governante perguntou a ele como se poderia instilar reverência, dedicação e entusiasmo ao povo, Confúcio disse: "Governe-o com dignidade que haverá reverência, trate-o com bondade que haverá dedicação; promova os bons e instrua os incompetentes que se promoverá entusiasmo.

    No pensamento de Confúcio, o soberano situava-se no topo de uma hierarquia que ditava responsabilidades sociais claramente definidas. Confúcio julgava que só se poderia restaurar a ordem na China se cada membro da comunidade cumprisse determinados deveres baseado em sua posição no mundo, a contar desde o soberano até o agricultor comum.

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    CONFÚCIO E O MUNDO QUE ELE CRIOU
    AUTOR Michael Schuman
    TRADUÇÃO Alexandre Morales
    EDITORA Três Estrelas
    QUANTO R$ 74,90 (384 págs.)

    Edição impressa

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