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    Entre ex-workaholic e futuro dândi, Zeca Baleiro faz show em São Paulo

    THALES DE MENEZES
    DE SÃO PAULO

    21/10/2016 18h12

    Zeca Baleiro produz gente nova na MPB, resgata estrelas veteranas para novos projetos, escreve, tem uma produtora de shows e um selo de discos, lança música e audiovisual para público infantil, e, ainda por cima, grava seus discos e divulga esses trabalhos em shows.

    É o que faz neste sábado (22), no Tom Brasil, em São Paulo. Zeca acaba de lançar "Era Domingo", seu primeiro álbum de estúdio desde "O Disco do Ano", de 2012. São 11 faixas de uma sonoridade bem pop, com ecos de Beatles e as letras argutas que cria desde "Por Onde Andará Stephen Fry?", sua estreia em 1997. Ele concorda que o novo álbum é pop. "Beatles é vocabulário básico para o pop", diz, mas ressalta que não orientou os produtores do disco para um determinado caminho.

    Marcus Leoni/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 20.10.16 E 13h Zeca Baleiro lanca novo disco, "Era Domingo", com show em SP(Foto: Marcus Leoni / Folhapress, ILUSTRADA)
    Zeca Baleiro, que lança o álbum de canções inéditas "Era Domingo" com show em São Paulo

    Sim, produtores. Zeca espalhou as canções para 13 produtores. Gosta muito do resultado, mas não recomenda a ninguém a experiência. "Parece que você está tirando um trabalho das costas, mas de repente você está gerenciando um monte de malucos, gente que fica te ligando a respeito de um determinando timbre. Então você vira meio um supervisor de produção." No show em São Paulo ele mostrará boa parte de "Era Domingo" e sucessos da carreira.

    Zeca aceita a fama de workaholic, mas diz que está tentando mudar. Quer trabalhar menos e "flanar pela cidade, feito Baudelaire".

    A seguir, trechos da entrevista com o cantor.

    *

    Folha - Quatro anos de intervalo entre seus dois últimos discos não é muito tempo?

    Zeca Baleiro - Acho que não se deve apressar as coisas. A menos que você tenha de cumprir um contrato com gravadora, um relação desagradável que você tenha que encerrar. Essa coisa de ser obrigado a compor, embora eu não acredite em inspiração, é roubada. Não que você tenha que ficar à mercê de uma coisa divina, criação é trabalho, literalmente, trabalho braçal. Eu prefiro juntar uma safra digna de canções até pensar "isto aqui merece um disco". Ou então eu não faço. A não ser que seja um projeto especial. Aquilo que eu fiz cantando músicas do Zé Ramalho [o álbum de regravações "Chão de Giz"] foi um troço de encomenda, um convite bacana que recebi da Monique Gardenberg.

    Quando percebeu que tinha material para um novo disco?

    Eu vi que essas canções eram de uma mesmo época, tinham o mesmo acento. Só uma é mais antiga. "Pequena Canção" tem mais de dez anos, é uma música doce e achei que o disco precisava de uma doçura qualquer. As outras são canções de um período de três anos, que eu resolvi juntar e achei que era a hora.

    Os antigos fãs vão encontrar novidades?

    Estava fazendo uma pesquisa, vendo meus vídeos no YouTube, e uma menina comentava assim "Puxa, como faço para sanar o efeito retardado de só ter conhecido o Zeca em 2016?". Uns caras ironizam, troçam dela e tal, mas hoje as informações estão muito pulverizadas. Tem gente que me acompanha desde o começo da carreira, tem gente que conheceu a partir do quinto disco, teve gente que largou no meio do caminho, casou, teve filho, se mudou para fazer mestrado, enfim, as contingências da vida, e tem gente que está descobrindo agora, quando estou entrando numa fase madura.

    Apesar de tantos projetos, seus discos autorais são gerados sem pressa.

    Eu sou do tipo que gosta de dar um tempo para o disco ter a sua história. Mesmo num tempo de menos impacto de um álbum, ainda acredito nisso. O último boletim da Som Livre dizia que o "Era Domingo" tinha vendido 7.000 discos. Pô, 7.000 nos tempos de hoje é como se fosse 25 mil há dois ou três anos. Eles estão felizes, amarradões. A gente que tem uma frustração pela coisa da venda.

    Você está contratado pela Som Livre?

    Começou só com o licenciamento dos meus discos, que continuo produzindo. Os dois últimos seguiram um contrato de exclusividade, que termina no fim do ano. Lá na Som Livre tem uma turma bem jovial, que vai a festival de música no mundo todo, acompanha e está ligado na cena. Infelizmente, acho que eles não têm muito mais o que fazer por esse tipo de música que eu faço, que eles chamam de MPB ou adulto contemporâneo, esses rótulos todos. Tudo que eles podem fazer são coisa em que a gente não cabe mais. Programa de auditório? Não dá mais.

    Você foi um dos primeiros cantores empreendedores, que foi atrás de seu mercado por conta própria, numa época em que as gravadoras começavam a perder força.

    Não foi assim uma visão, nada de epifania. Uma explicação que eu já tentei achar, que por enquanto é a que me serve, é que a minha geração demorou muito para gravar, diferente da geração do rock, que gravava com 20 anos, e da geração de Chico e Caetano. Minha geração foi trintona, eu gravei meu primeiro disco aos 31 anos, Chico César também demorou. Lenine, então, se você não considerar um primeiro lá atrás, gravou quase quarentão. Quer dizer, uma geração que esperou muito tempo, trabalhando, produzindo. Quando chegou aos meios de produção, teve isso nas mãos, quis fazer. Essa é a explicação que eu tenho, a priori.

    Marcus Leoni/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 20.10.16 E 13h Zeca Baleiro lanca novo disco, "Era Domingo", com show em SP(Foto: Marcus Leoni / Folhapress, ILUSTRADA)
    Zeca Baleiro, cujo novo disco, "Era Domingo", ecoa os Beatles com sonoridade bem pop

    A ideia de ter um selo era antiga?

    Bom, tanta coisa precisando acontecer, eu fui lá e fiz um selo. Veio o disco póstumo do Sérgio Sampaio, a parceria com a Hilda Hilst, foram surgindo os projetos. Foi uma prova cabal de loucura, porque fazer um selo em 2005, já na era do MP3 e do download, fazer um selo de discos físicos era um suicídio. Fiz por paixão. Sempre tem aqueles arautos da catástrofe, diziam que eu estava louco, me mandavam investir em imóveis no interior. Não, para mim isso era reinvestir na carreira, estou produzindo. Desde o começo eu tinha essa vontade de produzir gente, ficar nos bastidores.

    Vale a pena?

    Pô, quando eu me vi produzindo Odair José, aquilo para mim era um sonho. Era um ídolo de infância. Como a Vanusa. Era uma realização juvenil. Mas, como business, esquece. Agora que encontramos uns parceiros bacanas, egressos do grande mercado, que fundaram uma distribuidora chamada Canal 3, eles estão desovando nossos estoques. Eles trabalham com nicho, que é uma coisa nova no Brasil. As gravadoras aqui comeram muita mosca, trabalhando com o grande artista do mainstream, quando há dez anos o nicho já estava se configurando. Fora alguns que perceberam isso, como a Tratore e a Biscoito Fino. Mas eu faço mesmo por paixão. Agora estou produzindo o Edy Star, uma lenda do glam rock brasileiro. Ficou um tempão sem gravar, aí nos aproximamos, juntei a banda e vamos lá.

    Com tantos projetos, você é um cara metódico?

    Eu poderia me definir como um caótico organizado. Primeiro eu remexo tudo, e depois eu preciso de uma certa ordem. Foi juntando anotações, no celular e no caderninho, que eu não largo nunca, gosto de escrever à mão, acho importante para o pensamento fluir, mas aí eu tenho que recolher isso tudo. Esse rótulo de workaholic, bem, eu tive uma vaidade em relação a isso, mas depois comecei a achar besta. Uma coisa pela qual não quero ser lembrado é que fui um workaholic. Fui, mas agora começo a desejar entrar em um outro ritmo. Se pudesse, eu queria ser dândi. O cara que flana, um Baudelaire que flana pelas ruas, fazer bastante música, fazer bastante sexo, tomar sorvete, tomar conhaque.

    Mas continua gostando desse trabalho todo, não?

    Acho que eu sou muito "entediável". Há projetos que no meio do caminho você percebe que são roubadas. Às vezes a proposta é sedutora, mas aí você descobre que está trabalhando muito mais, ganhando menos e sem tirar prazer daquilo. Você tem que capitalizar de algum modo. Se você não tiver prazer, um retorno realmente significativo do ponto de vista artístico nem dinheiro, aí você tem de repensar.

    A ponto de desanimar?

    Não. A gente é apaixonado por música, então, mesmo nesses tempos bicudos, fazer o disco do Edy Star é bacana, um acontecimento. Pode ser que os jornais hoje não noticiem com a devida pompa, mas, para a minha perspectiva histórica, é um acontecimento e eu ajudei a fazer. Isso me dá alegria e esperança de continuar fazendo.

    Por que você delegou cada faixa de "Era Domingo" a um produtor diferente?

    Depois do "O Disco do Ano", estava muito ocupado com a minha faceta de produtor. O disco da Vanusa demorou muito tempo, fiz um EP de música africana com a Zizi Possi, muitas coisas. Para o meu disco, tive essa ideia de chamar vários produtores, um para cada música. Parece que você está tirando um trabalho das costas, mas de repente você está gerenciando uma dúzia de malucos, gente que fica te ligando a respeito de um determinando timbre. Então você vira meio um supervisor de produção. Então eu chamei uma pessoa para me ajudar, o Sergio Fouad, que criou uma interlocução que rendeu um resultado satisfatório. Mas é uma coisa que eu não aconselho ninguém a fazer.

    Concorda que o disco é mais pop que o anterior, tem mais guitarras?

    A música que abre, "Era Domingo", eu mostrei ao Tuco Marcondes [guitarrista que trabalha há muitos anos com Zeca]. Estava crua, só voz e violão. Ele é um beatlemaníaco, estivemos em Liverpool e ele passou o dia no museu dos Beatles. E Beatles é vocabulário básico para a música pop. Mesmo o Radiohead, se você tirar aquela casca tecnológica que tem ali, as canções têm muito de Beatles. Aí essa música ficou com uma slide guitar bem George Harrison, e a estrutura dela também é Beatles, bateria sequinha tipo Ringo Starr. Mas eu não brifei os produtores, cada um foi na sua.

    Como será o repertório do show no Tom Brasil? Cantará os sucessos?

    Durante o ano a gente já fica fazendo shows que a gente chama de genéricos. Meu técnico de som diz que é "setlist", mas sim o "dezessetelist", com as 17 mais famosas da carreira, as que ficaram, né? É divertido, quando você toca numa praça em Cuiabá ou no interior de Minas, qualquer lugar que seja, é lindo. Mas só isso é ruim, você envelhece seu trabalho e o prazer se dilui um pouco. Mas você tem que tocar música nova, para se sentir instigado.
    Quando eu lanço um disco, eu proponho muita coisa nova no show. Mas, com o tempo, você vai viajando e vai se surpreendendo. Aquela música que você apostava muito nos shows não funciona e uma outra que você não dava a mínima sai todo mundo cantando. E eu posso mudar tudo na hora, a banda já é vacinada nisso. Tenho uma espinha dorsal, mas mudo muito. Posso cantar Marina, Belchior.
    Não tem como não tocar hit. Mostrar só coisas novas vai deixando o clima com o público meio pesado, acho que só Bob Dylan aguenta isso, tocar coisas pouco conhecidas e só no final mandar ver "Like a Rolling Stone" e num arranjo completamente diferente.

    ZECA BALEIRO
    QUANDO sábado (22). ás 22h
    ONDE Tom Brasil, r. Bragança Paulista, 1.281, tel. (11) 4003-1212
    QUANTO de R$ 90 a R$ 200

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