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    Crítica

    Em 'despedida', Leonard Cohen segue cavernoso

    ANDRÉ BARCINSKI
    CRÍTICO DA FOLHA

    25/10/2016 17h00

    Dois mil e dezesseis tem sido um ano de grandes despedidas musicais. Em janeiro David Bowie lançou "Blackstar", sua carta de adeus. Em setembro foi a vez de "Skeleton Tree", de Nick Cave, um disco arrasador sobre a morte do filho adolescente, Arthur. E agora chega "You Want It Darker", de Leonard Cohen, em que ele parece dizer "Foi bom enquanto durou, vejo vocês do outro lado".

    Cohen tem 82 anos e está doente e fraco. Numa raríssima entrevista, dada à revista "The New Yorker", deixou claro que não deve mais se apresentar em público –talvez um show de despedida ou uma pequena série de shows no mesmo local. Viajar, nem pensar. Ele passa os dias em casa, em Los Angeles, e nem saiu de lá para gravar os vocais do novo trabalho. Gravou na sala, com a ajuda do filho, Adam, produtor do disco.

    Divulgação
    LEONARD COHEN EXCLUSIVO SERAFINA - FOTO DIVULGACAO
    O cantor Leonard Cohen, que lança 'You Want It Darker'

    Mesmo para um compositor há muito obcecado por temas como morte e espiritualidade, "You Want It Darker" surpreende pelo tom de despedida. As letras falam de sóis que se põem, noites eternas e luzes que se apagam. Algumas frases são mais diretas: "Estou pronto, meu Senhor", ele canta na faixa-título; em "Leaving the Table", Cohen diz: "Estou deixando a mesa / estou fora do jogo".

    Musicalmente, o novo disco segue a mesma produção minimalista e arranjos espartanos de seus dois últimos trabalhos de estúdio, "Old Ideas" (2012) e "Popular Problems" (2014): a voz de Cohen, cada vez mais grave, áspera e sussurrada, é mixada mais alta e com mais destaque do que os instrumentos, como se a banda segurasse a onda para realçar o som cavernoso da voz de Cohen e permitir ao ouvinte apreciar melhor seus versos.

    Como sempre, as letras são misteriosas e autobiográficas, e farão os obsessivos pela obra do compositor passar um tempão discutindo seus significados. "Treaty" parece falar de sua musa Marianne Ihlen, a norueguesa que Cohen conheceu nos anos 1960 na ilha de Hidra, na Grécia, e que inspirou canções como "Bird on a Wire" e, claro, "So Long, Marianne": "Peço desculpas pelo fantasma em que te transformei / apenas um de nós era era real –e esse era eu". Marianne morreu em julho, aos 81, de câncer.

    Outra canção nova que periga entrar para o cânone de Leonard Cohen é "Leaving the Table", com uma levada preguiçosa de guitarra, típica de música havaiana, e que lembra um dos grandes ídolos de Cohen, Roy Orbison (1936-1988). Já "If I Didn't Have Your Love" é uma baladona romântica clássica, em que o autor diz que viver sem sua amada seria como "viver em uma noite eterna [...] em que um vento frio e triste engole o mundo". Dá para imaginar os suspiros das fãs ouvindo essa beleza.

    Parentes e amigos de Leonard Cohen dão a entender que "You Want It Darker" é o último disco do compositor. Mas ele já surpreendeu no passado –voltou ao palco em 2008, depois de 15 anos, e gravou sete discos (três de estúdio, quatro ao vivo) depois dos 75 anos de idade. Então, se ele aparecer daqui a pouco com mais uma coleção de grandes canções, por favor, não estranhem.

    YOU WANT IT DARKER
    ARTISTA: Leonard Cohen
    GRAVADORA: Sony/BGM
    QUANTO: R$ 39,90

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