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    SPFW

    CRÍTICA

    Ronaldo Fraga faz estudo épico da transfobia brasileira

    PEDRO DINIZ
    COLUNISTA DA FOLHA

    27/10/2016 02h41

    A moda discute silhuetas, modelos de vendas, o que será desejo da estação. Discute de tudo, mas se esvazia no discurso porque anda distante do mundo real, como se falasse dentro de uma caixa que ecoa sons para ela mesma.

    E parece esquecer da sua função básica: ser um espelho do tempo e, por meio de ideias tecidas, revelar meandros do comportamento humano e questionar padrões e sensos comuns. Como fez Ronaldo Fraga no desfile mais contundente dos últimos anos da SPFW.

    Uma seleção de modelos formada apenas por transexuais e travestis -"porque estamos em guerra; ou é tudo ou é nada", disse ele, no camarim- apresentou um estudo sobre a transfobia num país que é líder de assassinatos de transgêneros no mundo.

    No Teatro São Pedro, o mineiro destrinchou a relação de pessoas presas dentro de um corpo estranho com a roupa que vestem. "Falo sobre um pesadelo, de uma libertação que só ocorre quando se compra o primeiro vestido. Isso justifica a existência da moda", disse Fraga.

    Naquele tablado, em 1978, estreou a versão de Antunes Filho para o livro "Macunaíma", de Mario de Andrade que versa sobre as raízes culturais do Brasil, a diversidade do povo e a intolerância.

    As modelos se infiltravam pela plateia, andando delicadamente com seus vestidos inspirados no período dos anos 1920 a 1940, o mais feminino da história ocidental.

    Corsets, estilos boudoir, decó, noveau. Em vez de confeccionar os cortes e os bordados dessas referências, ele as estampou por cima de uma mesma base, justa na cintura, nas nádegas e nos seios, como se dissesse que, mesmo não sendo originais de fábrica, aquelas roupas e aqueles corpos são reais, femininos e de beleza incontestável.

    O último look, negro e todo rendado, um dos poucos feitos com tecido trabalhado à mão, soou como luto. O baile terminou como uma valsa de mulheres vestidas com lingerie, beijadas no aplauso final pelo choro de Fraga.

    Épico, o desfile não é só um retrato do país dos preconceitos jogados para debaixo do tapete, mas também é ponto de virada de seu estilista, o mais importante da moda nacional e, como já reconhecido internacionalmente, um dos mais criativos do mundo.

    RONALDO FRAGA

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