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    Em Bogotá, feira ArtBO tenta se firmar com obras políticas e minimalistas

    SILAS MARTÍ
    ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ

    27/10/2016 12h50

    Quase gritando para se fazer escutar num galpão alvejado pela chuva, María Paz Gaviria, a diretora da ArtBO, dizia que a feira que acontece agora na capital colombiana é a mais "refrescante" do circuito artístico latino-americano.

    De fato, as temperaturas em Bogotá, cidade que roça uma cordilheira a alguns milhares de metros acima do nível do mar, são baixas e as tempestades são muitas. Meteorologia à parte, a ArtBO também conseguiu cravar um espaço na agenda apertada das feiras de arte com um programa mais enxuto, com galerias influentes e obras que fogem do espetáculo barato para vender a qualquer custo.

    Nesta edição, que não coincidiu com a Fiac, em Paris, o evento colombiano tem presença recorde de galerias brasileiras, que vinham preferindo a feira francesa até então. Casas poderosas como Luisa Strina e Fortes Vilaça vieram a Bogotá, além de Raquel Arnaud e Vermelho.

    Embora haja mais galerias paulistanas e uma carioca, o total de participantes da feira caiu em relação ao ano passado —de 84 foi para 74. Gaviria diz que essa foi uma decisão estratégica, que não tem a ver com qualquer sinal de crise econômica.

    "Fizemos uma seleção cuidadosa para que tivéssemos um resultado mais potente no mercado", diz a diretora. "Esta é uma feira com um modelo único, que não enfatiza só as vendas, por isso podemos tomar a decisão de não aumentar o número de galerias e ter mais espaço para mostras institucionais."

    Esse modelo único, no caso, depende do fato de a ArtBO não se ancorar na venda de estandes para se bancar, já que é organizada pela Câmara de Comércio de Bogotá, uma parceria público-privada que trabalha para lançar a capital colombiana também como destino cultural.

    Mesmo sem uma estratégia para lucrar, a feira detonou uma onda de abertura de novas galerias e turbinou a cena de colecionadores na metrópole colombiana. Uma das galerias mais jovens da cidade, aliás, a Instituto de Visión surgiu há dois anos e já se tornou uma plataforma de peso, emplacando três de seus artistas —Alicia Barney, Carlos Motta e Carolina Caycedo— na atual Bienal de São Paulo.

    Todos eles têm obras de alta voltagem política, algo que parece inevitável num país que está há 60 anos em guerra civil com narcotraficantes. Mas o estilo de arte política criado na Colômbia, como fica claro na feira, é menos panfletário e mais sutil.

    Na visão de Johannes Vogt, galerista de Nova York, colecionadores colombianos têm um "gosto refinado" e preferem trabalhos na linha da abstração geométrica e do minimalismo. Isso explica o trânsito forte de brasileiros dessa mesma pegada no mercado colombiano —a diretora da ArtBO diz que a Colômbia é um dos principais destinos de exportação de arte nacional.

    "Eles têm menos interesse pela estética, têm esse viés político e nada é muito contemplativo", diz Jaqueline Martins, galerista paulistana que participa da ArtBO há cinco anos. "Eles também vêm segurando o tamanho da feira para não se tornar uma 'big fair' num micromercado."

    Ou seja, há um limite para o tanto de arte político-minimalista que as casas conseguem emplacar nas coleções locais. E a seleção mais criteriosa ajuda a navegar pela feira, com galerias bem espalhadas num enorme galpão, sem estandes abarrotados de tralha.

    Na Fortes Vilaça, por exemplo, estão poucos trabalhos de Cristiano Lenhardt, outro artista da Bienal de São Paulo. Nas primeiras horas da feira, a casa paulistana também vendeu trabalhos de Rodrigo Cass, enquanto a Luisa Strina encontrou compradores para obras de Cildo Meireles e Eduardo Fraipont.

    Famosa por sua seleção de trabalhos mais minimalistas e monocromáticos, a galeria Gregor Podnar, de Berlim, também mostrava obras pensadas de acordo com o perfil mais sóbrio da ArtBO, entre elas peças de Marcius Galan e Pablo Accinelli.

    Entre os melhores trabalhos da feira, Laura Belém montou uma instalação com refugos de peças de pedra sabão de artesãos do interior de Minas Gerais na Athena Contemporânea. Sua série de esculturas quebradas e esbranquiçadas reflete o clima geral do evento, com poucas cores, zero estridência e muita geometria.

    Na francesa Mor Charpentier, outra série de pequenas esculturas de Carlos Motta lembrava, de longe, estátuas de divindades gregas em miniatura, mas na verdade retratavam deuses e deusas hermafroditas —a transexualidade como metáfora de um mundo mergulhado em tempestades.

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