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    Pedaço perdido da história do cinema é encontrado em filme caseiro de 1964

    JAMES BARRON
    DO 'THE NEW YORK TIMES'

    31/10/2016 12h10

    Era uma lata de filme 16 milímetros, uma entre muitas que ele estava examinando algum tempo atrás. Robert Anen, que quer ser arquivista de cinema e estava fazendo um estágio de verão, leu o rótulo —a identificação falava sobre a Feira Mundial de Nova York em 1964— e pensou consigo mesmo que "meu pai foi a essa feira quando era menino. Vou ver o filme".

    O que ele viu era um filme caseiro, mas não um filme caseiro qualquer. Havia um filme dentro do filme, com três minutos de duração. E para os arquivistas de cinema, isso foi um achado.

    O filme caseiro foi rodado por Edward Feil. Ele não está sujeito aos movimentos espasmódicos de câmera e às cenas com excesso de exposição que afligiam a maior parte dos filmes caseiros da época, porque Feil era profissional e ganhava a vida rodando filmes industriais e educacionais, em muitos casos com a ajuda da mulher. Mas ele também operava a câmera quando viajava.

    O filme sobre a Feira Mundial mostra uma mulher curtindo os estandes, acompanhada por duas meninas pequenas —Naomi, a mulher de Feil, e as duas filhas do casal. Há imagens de multidões sempre em movimento e de engenhocas então modernas como calçadas rolantes e cadeiras móveis, que parecem lagartas azuis e negras avançando lentamente na direção da câmera.

    Mais adiante, Feil registra um vislumbre de um Chevrolet 1964 zerinho. Outra tomada mostra a roda gigante U. S. Royal, um gigantesco pneu projetado pelo mesmo escritório de arquitetura que projetou o Empire State Building, girando á distância. Não há som, mas não é difícil imaginar as exclamações de assombro.

    James Estrin/The New York Times
    Robert Anen e Dan Streible na Universidade de Nova York
    Robert Anen e Dan Streible na Universidade de Nova York

    O achado surge pouco antes dos quatro minutos e meio do filme caseiro de Feil. O filme colorido e granulado dá lugar a um preto e branco básico, para uma cena rodada no que parece ser um teatro. Um homem está iluminado pela luz de um holofote, ao longe, com jeito de apresentador de programa de variedades. A luz se afasta dele, diminui de intensidade e a câmera começa a se deslocar, mostrando painéis na parede. Feil está filmando um filme em exibição em uma sala de cinema escurecida.

    "Vi aqueles painéis que me lembraram de 'Think'", disse Anen, 27, aluno de pós-graduação da Universidade de Nova York. Seu estágio foi realizado no Arquivo de Filmes da biblioteca da Universidade de Indiana, que adquiriu o trabalho de Feil.

    "Think" era uma instalação cinematográfica criada para a feira mundial, com diferentes rolos sendo exibidos em diferentes telas ao mesmo tempo. Havia 22 telas, embora nem todas exibissem filmes; algumas mostravam fotos. "Think", uma visão sobre como computadores processam dados, foi trabalho de Charles e Ray Eames, mais conhecidos hoje pelas cadeiras que desenharam nos anos 1940 e 50. Eles haviam trabalhado com o escritório de arquitetura de Eero Saarinen para o pavilhão da IBM na feira.

    Anen adivinhou o que estava vendo por conta de uma viagem de estudo que realizou no segundo trimestre. Ele e outros alunos do programa de pós-graduação da Universidade de Nova York sobre preservação e arquivo de filmes passaram uma semana no centro de conservação audiovisual da Biblioteca do Congresso, em Culpeper, Virgínia.

    Os preservacionistas cinematográficos do centro estavam trabalhando em uma reconstrução de "Think", e Anen lembrou-se de tê-los ouvido dizer que tinham imagens de uma versão modificada apresentada em 1965, mas não da versão de 1964.

    Enquanto rolavam as imagens de Feil, apareceu na tela a data: 1964. Anen gravou com seu celular as imagens da moviola, e enviou um trecho a um especialista do centro de conservação, perguntando se aquilo poderia ajudar.

    E como. "Não conseguimos localizar qualquer registro" sobre a versão de 1964 até que Anen enviou o vídeo, disse Amy Gallick, especialista em preservação de filmes no centro. "As imagens mostravam o começo do filme, do qual não havia registro em qualquer outra parte".

    Feil aparentemente estava planejando registrar "Think".

    "Acho que ele foi à feira sabendo que desejava capturar parte do filme", disse Anen, "porque ele carregou a câmera com filme branco e preto", a caminho do local. "Think" era exibido em uma sala elevada, de formato oval, que levava, com entusiasmo ingênuo típico dos anos 60, o nome "máquina da informação". As audiências chegavam à sala usando a "muralha do povo", uma arquibancada íngreme com 500 assentos e um sistema hidráulico que a erguia 15 metros.

    "Os filmes de Ed não são filmes caseiros comuns", disse Anen. "Ed era profissional. Os filmes caseiros dele são altamente estilizados, se comparados aos filmes caseiros médios nos quais alguém filma a árvore de Natal ou um passeio de carro. Ele tinha técnica para tornar seus filmes atraentes mesmo que fossem trabalhos caseiros".

    Dan Streible, professor associado de Estudos de Cinema na Universidade de Nova York, descobriu os filmes de Feil anos atrás quando assistiu a uma exibição de "O Mundo Interior da Afasia", sobre profissionais de saúde que trabalhavam com pacientes incapazes de comunicação. Naomi Feil, assistente social, escreveu o roteiro e interpretou o papel principal.

    "Nunca havia assistido a um filme como aquele", disse o Dr. Streible, que organiza o Orphan Film Simposium, um festival bienal de filmes negligenciados, na Universidade de Nova York. "Estilisticamente, aquilo que o filme pretendia ser, um curta de educação médica, parece tedioso, um clichê. Mas o trabalho foi escrito, filmado, interpretado e montado com muita arte. Eles tomavam de empréstimo ao cinema ideias de edição e enquadramento".

    Streible disse que "mostrar os filmes a outras pessoas se tornou minha missão". Ele o fará em 19 de novembro no Museu de Arte Moderna de Nova York, em um programa intitulado "Orphans at MoMA: The Inner Whirled of Orphan Films". (O filme que Feil rodou na Feira Mundial também estará incluído, e os dois terão a companhia de um curta de um cineasta amador de Long Island que foi descoberto recentemente, contendo imagens das feiras mundiais de 1939 e 1964.)

    O Dr. Streible também vem conduzindo uma campanha para que "The Inner World of Aphasia" ganhe espaço nos círculos de preservação cinematográfica. Ele é membro do Conselho Nacional de Preservação do Cinema, na Biblioteca do Congresso, que a cada ano recomenda 25 filmes para o Registro Nacional de Cinema dos Estados Unidos. "The Inner World of Aphasia" entrou para a lista no ano passado, em companhia dos originais de "Os Caça-Fantasmas" (1984), "Top Gun - Ases Indomáveis" (1986), "Los Angeles - Cidade Proibida" (1997), "Um Sonho de Liberdade" (1994) e "The Mark of Zorro" (1920).

    No filme de Feil sobre a feira mundial, a mulher dele parece estar grávida. "Presumo que seja eu", disse Edward Feil, filho do casal, nascido em julho de 1965.

    "Quando as pessoas veem imagens assim elas não as contextualizam, mas as personalizam, imediatamente", disse Anen. "Elas pensam sobre aonde foram, com quem estavam, se são elas em segundo plano naquela imagem".

    Ele diz que quando mostrou o filme aos seus pais e avós, eles ficaram tentando se descobrir nas imagens.

    "Mas isso seria bom demais para ser verdade", disse Anen.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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