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    CRÍTICA

    Teatro Oficina se renova com sua 'Bacantes' pós-impeachment

    CAIO LIUDVIK
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    01/11/2016 02h58

    Repetir renovando-se, não como círculo estagnado e sim espiral prenhe de futuro: assim parece pulsar a inquietação criativa de José Celso Martinez Correa e sua trupe.

    Quase sessentão, o Oficina retrata o Brasil pós-impeachment numa vibrante remontagem, 21 anos depois, de sua célebre versão de "Bacantes", de Eurípides.

    Com uma "dramaturgia antropófaga", a trupe é fiel ao espírito dessa tragédia do século 5º a. C, mas aqui e acolá subverte sua letra. Por exemplo, ao apresentar Penteu como um tirano que apeou à força seu avô Cadmo do trono de Tebas –forma de parodiar o "golpismo" de Michel Temer.

    O embate de Penteu (Fred Steffen) contra Dionísio (Marcelo Drummond) e suas bacantes, foco de Eurípides, serve como alegoria do conflito atual entre a suposta onda conservadora e neoliberal, no Brasil e no mundo, e os movimentos sociais progressistas.

    Imagens de vídeo (o espetáculo, aliás, é transmitido ao vivo no canal do Oficina no youtube, embora com problemas de som) sugerem, como exemplo de "resistência", o protesto de indígenas no Congresso, os sem-terra e até o que se estereotipou como terrorismo islâmico.

    Especial importância tem o acento feminista, no rastro aliás da crítica de Eurípides à sociedade de seu tempo. Nessa obra da velhice, ele também parece confessar um arrependimento pelo excesso de ceticismo racionalista de suas peças anteriores. Daí a homenagem à dimensão "dionisíaca" da vida, selvagem, instintiva e, por que não, feminina.

    A recusa dessa dimensão, por parte de Penteu, que proíbe os festejos em honra ao deus –seu primo–, é o orgulho trágico que o precipitará à ruína.

    Transfigurado em "Fora, Penteu", o bordão petista "Fora, Temer" ganha uma dimensão mais profunda do que a da luta política imediata.

    Parece, no entanto, evitar de tal modo uma autocrítica de esquerda que o programa da peça chega a dizer que o novo governo "instaurou a crise política e econômica" no Brasil –o que faz da era petista, apesar do desastre econômico e orgia de corrupção, uma espécie de paraíso perdido.

    Não é preciso, porém dizer amém ao catecismo político camuflado na nova versão de "Bacantes" para usufruir da beleza e da potência desta ópera carnavalesca no "terreiro eletrônico" do Oficina.

    Suas quase seis horas de duração passam muito rapidamente, graças também ao entusiasmo, vigor físico, "poder da presença" dos 70 atores que declamam, dançam, cantam e seduzem a plateia a se juntar ao clima orgíaco, como apregoa o "te-ato" do histórico diretor da trupe.

    Zé Celso, aliás, esbanja carisma no papel de Tirésias, o profeta e pai de santo cego e clarividente. O episódio em que o profeta perde a visão carnal e ganha a espiritual é contado de forma muito bela, com o recurso de fazer caírem os véus que, a princípio, separavam a plateia do palco-passarela.

    BACANTES
    QUANDO de 28/10 a 23/12; sáb. e dom., às 18h (dia 28/10, às 20h); sessões especiais: qua. (2/11) e sex. (23/12), às 18h
    ONDE teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 11-3104-0678)
    QUANTO de R$ 20 (moradores do bairro do Bexiga) a R$ 60
    CLASSIFICAÇÃO 18 anos

    Edição impressa

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