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    Com público de 1 milhão, acaba ato de Nuno Ramos por mortos do Carandiru

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    02/11/2016 17h02

    Última a ler a lista dos 111 assassinados no massacre do Carandiru, a professora transexual Paula Beatriz de Souza Cruz encerrou na tarde desta quarta (2) a performance-vigília de 24 horas organizada pelo artista plástico Nuno Ramos em protesto contra a anulação em setembro do julgamento que condenou os policiais militares envolvidos na chacina de 24 anos atrás.

    Um mês depois do episódio nos anos 1990, Ramos fez uma de suas instalações mais célebres, em que cada detento era representado por uma pedra no chão da galeria. Quase um quarto de século depois do que ele chama de "chacina que continua se disfarçando nos escaninhos da Justiça", o artista decidiu criar um ato de resistência em que convidados leram os nomes dos mortos à exaustão.

    Sem plateia, artistas e ativistas, entre eles Zé Celso, Ferréz, Paulo Miklos, Bárbara Paz, Helena Ignez, Laerte, Marcelo Tas, Marina Person e Rita Cadillac, leram para uma câmera, que transmitia ao vivo pela internet o ato realizado num apartamento do centro de São Paulo. Nas contas dos produtores, somando os vários canais de transmissão —Folha, Itaú Cultural e Videobrasil— e contando os acessos desde o início até o fim da ação, a performance pode ter atingido até 1 milhão de espectadores.

    Ramos disse que não queria uma plateia. "Pensei num lugar alto, como se fosse uma antena a irradiar esses nomes pela cidade", disse o artista. "São as palavras tentando se materializar de todas as formas. Arte é presença, e um nome é um mínimo de presença."

    Mas a transmissão on-line também desencadeou comentários raivosos nas redes sociais, que acusaram Ramos e seus convidados de transformar bandidos em heróis, muitos repetindo a frase "bandido bom é bandido morto".

    O artista, que acompanhava os comentários ao longo da ação, discorda desse ponto de vista. "Um dos motivos de o Carandiru não ser esquecido é que essa visão precisa dele para existir. Não vou contestar a Justiça, mas as mil artimanhas legais que sustentam a anulação dos julgamentos não justificam a chacina. Não quis tornar heroico o que não é heroico, nem diminuir a dor dos que sofreram, mas o fato básico é que houve uma chacina."

    Uma das últimas a participar da performance, a cantora Rita Cadillac, que se apresentou por mais de uma década em shows para detentos dentro do Carandiru, também se defendeu da acusação de glorificar os mortos. "Ninguém está transformando ninguém em heróis, nem os policiais são bandidos. Também não acho que a melhor punição para eles seria a cadeia. A pior cadeia para eles é a imagem daquele dia, o cheiro que ainda deve estar dentro deles."

    Antes dela, a cineasta e atriz Marina Person também leu os 111 nomes. "Foi uma experiência sensorial para mim", disse. "Comecei lendo, depois fiz uma pausa e de repente aquilo virou um jorro, um fluxo. Fiquei tonta, meio mareada lendo esses nomes."

    Dos 24 convidados escalados por Ramos, quatro foram substituídos de última hora. A madrugada de terça para quarta sofreu o maior número de mudanças no elenco, sendo que dois produtores da equipe assumiram o lugar de convidados. Não houve, no entanto, nenhuma interrupção da vigília. "Estou contente", disse Ramos, perto do final da ação. "E menos cansado do que achei que fosse estar."

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